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JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, Brazil
Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Chuva em Minas – Reconstrução de Ponte Nova

Por Michele Pacheco

Fiquei impressionada com a dimensão dos estragos em Ponte Nova.
Logo na chegada, havia lama e entulho por todo lado.
A força da água arrastou móveis, roupas, colchões...
Tudo ficou preso nas pontes e ruas.
Os moradores e funcionários do município dão duro na limpeza.
Máquinas estão sendo usadas para remover o acúmulo de lama das ruas.

Em alguns pontos, fica impossível seguir de carro.
A Parati da TV passou maus momentos.
O risco de ficar atolados nos levou a buscar vias alternativas.
Mas, para isso tínhamos que enfrentar o engarrafamento.
Com apenas uma ponte liberada para o tráfego, nem adianta ter pressa.
Os trajetos que em geral são rápidos, agora são num jogo de paciência.

No bairro Triângulo, os moradores só conseguem chegar às casas que ficaram alagadas passando por cima da montanha de lama e lixo.
Pelos cantos, vimos abandonados móveis e objetos pessoais que eram tão importantes para os moradores.
Um brinquedo aqui, um conjunto de sofá ali, uma mesa lá.
A sensação que dá é muito ruim.
Ver aquilo e imaginar o sofrimento de quem vai ter que começar tudo de novo.

É o caso da Sílvia. Em meio ao tumulto de gente limpando as casas, máquinas trabalhando e moradores sem saber para onde ir, notei uma mulher quieta num canto. Ela estava sentada no portão de uma casa e tinha o olhar perdido. Não chorava, não berrava, não xingava a má-sorte de morar na margem do rio Piranga. Simplesmente sofria em silêncio. Um conformismo doloroso. Na frente da casa, funcionava o salão dela.

Era do trabalho de cabeleireira que tirava dinheiro para ajudar o marido nas despesas e na educação dos filhos.
“Tenho 25 anos de casada e vou ter que recomeçar do zero.
Perdemos tudo.
Nem sei onde encontrar forças para começar tudo de novo.
Nosso Natal acabou.
Não sei nem se no ano que vem teremos condições de ter um Natal” desabafou.

No bairro Centenário, uma casa de dois andares desmoronou.
Quando a água começou a subir, os moradores colocaram todos os objetos da casa de baixo na parte de cima do imóvel.
Como os onze moradores são todos da mesma família, foram para o andar superior e de lá acompanharam a enchente.

O que ninguém esperava era que a cheia fosse a maior da história do município e arrancasse os alicerces da construção.
A parte da frente da casa começou a cair.
O pessoal correu para os fundos, mas três pessoas não tiveram tempo para isso.
Elas caíram junto com os escombros.
Por sorte, apenas uma mulher se feriu, quebrando o braço.
Ela passa bem.

O asilo municipal também ficou alagado.
Agora, a lama toma conta de todos os cômodos e dos móveis que não deu tempo de salvar.
O resto dos objetos foi salvo pelos funcionários.
Os 55 idosos que vivem no local foram transferidos temporariamente para uma escola pública. Lá, eles têm onde dormir e refeições.
Mas, todos estão ansiosos para voltar ao local que consideram um lar.

Há estragos em vários bairros.
Só que a região central é a que mais impressiona.
Todas as pontes ficaram cobertas pelo rio Piranga.
Apenas três dias depois da enchente foi possível ter a noção da gravidade dos estragos.
Algumas pontes tiveram a estrutura comprometida e foram interditadas.
Na beira-rio, a força da enxurrada arrancou parte do muro de contenção e do asfalto.

Uma das pontes que levam ao centro teve toda a proteção destruída.
É preciso cuidado para passar.
Mesmo assim, o que para uns é sinônimo de desespero, para outros é uma cena curiosa.
Ainda há gente vindo das cidades vizinhas para ver os estragos e tirar fotos para mostrar aos amigos.

O que mais me impressionou foi esta cratera de 200 metros de comprimento por 4 metros de profundidade que tomou o lugar da principal avenida de Ponte Nova.
O estrago foi tanto que os alicerces das construções mais antigas ficaram à mostra.

Gravei a passagem dentro do buraco e a sensação é de estar num terreno devastado por um furacão.
É como se toda a terra e o concreto não servissem para nada.
Restaram apenas as pedras.
Há entulho, lama e lixo por todo lado, o que atrapalha a passagem dos pedestres.

Uma escada e uma passarela de madeira foram improvisadas para que os moradores possam ir de um lado para o outro da cidade.
Durante a enchente, muita gente ficou isolada da família.
Quem estava no trabalho não conseguiu voltar para casa, pois o rio transbordou e dividiu a cidade ao meio.

Entre os destroços, o Robson registrou o trabalho de voluntários que ajudavam a limpar as casas e o comércio.
É preciso ter cuidado numa reportagem como esta.
Todos estão tensos e assustados com o futuro.
Não é justo chegar e atrapalhar o empenho deles para recuperar a cidade.
O certo é registrar as imagens, sem ficar no caminho.
O que é complicado nas ruas cheias de lama, em que apenas algumas trilhas de limpeza permitem a passagem.

Ao todo, pelo levantamento inicial, 231 lojas ficaram destruídas pela enchente.
O Afonso Mauro tem uma sapataria.
Animado com a perspectiva de aumento nas vendas com o Natal, ele investiu boa parte dos lucros no aumento de 40% do estoque.
Com a enchente, ele perdeu quase tudo.

O que foi salvo, não pode ser vendido, pois a rua está sem acesso.
“Esse é o pior Natal da minha vida.
O prejuízo chega a 50 mil reais.
Não sei como vamos nos recuperar.
Mas, pelo menos estamos todos vivos” contou o comerciante.

Conversamos com o prefeito eleito, João de Carvalho.
Ele estava surpreso com o tamanho da destruição.
Quanto ao trabalho de reconstrução da cidade, garante que vai ser feito com apoio do governo do Estado de Minas Gerais.

“O Secretário Danilo de Castro se comprometeu em enviar ajuda. Temos que fazer um esforço conjunto para recuperar Ponte Nova.
Com o apoio do governo do Estado, vamos começar os trabalhos já no dia dois de janeiro” disse o prefeito que já foi diplomado e assume na semana que vem.

A Polícia Militar teve papel fundamental nesse episódio triste da história de Ponte Nova.
O Major Luiz Carlos Rhodes tinha um levantamento das cheias do rio Piranga e um histórico das enchentes.
Sabendo que as represas da região eram importantes em situações desse tipo, ele fez contato com os administradores.
Ao mesmo tempo em que se informava do volume nas represas, calculava, pela enchente de 29 anos atrás, o tempo que a água levaria para inundar a cidade.
Assim, foi possível retirar os moradores dos locais de risco e evitar mortes.

Os policiais militares conseguiram voluntários com botes para retirar famílias de áreas alagadas.
Algumas casas tinham água até o teto. Em meio ao desespero, a solidariedade serviu de consolo para quem perdeu tudo, mas salvou a vida das pessoas queridas.
Só para se ter uma idéia do que se passa nos bastidores de uma crise como essa, tinha gente superfaturando o valor dos galões de água.

Aqueles que em geral custam cinco reais eram vendidos por 25 reais.
A Polícia Militar agiu rápido e deu um prazo para os especuladores voltarem ao preço normal, caso não quisessem concorrência de supermercados da região que se propunham a levar água pelo preço justo.
A ameaça funcionou e o pessoal voltou ao preço normal.
A solidariedade surge em cada canto de Ponte Nova.

Em vários bairros ainda faltam luz, telefone e água.
O dono de um posto de combustíveis liberou a água para quem precisasse.
“Há três dias que não lavo nenhum carro.
A mangueira agora é usada apenas para encher os galões de quem vem pedir socorro” explicou o José Francisco, lavador de carros.

“Lá em casa está um horror. Não tem água nem para dar descarga. O mau-cheiro é insuportável.
Não temos como tomar banho, lavar louças e fazer as tarefas de casa.
É um absurdo uma cidade deste porte ficar numa situação dessas” reclamou o Geraldo , motorista.
A expectativa é de que o abastecimento de água se normalize nos próximos dias.

Quanto aos desalojados e desabrigados, precisam de tudo.
Há várias campanhas de arrecadação de donativos em andamento. Se alguém ainda tem dúvida sobre a importância de cada objeto doado, basta acessar os vídeos que postamos aqui no blog.
São imagens de moradores dos momentos da inundação.
Dá medo só de pensar que qualquer um de nós pode ser vítima de uma tragédia dessas.

Famílias inteiras vão ganhar de Natal alimentos e um lugar para dormir.
As crianças que tinham tantos pedidos para Papai Noel, agora só desejam uma coisa: voltar para casa e esquecer as lembranças ruins numa época que deveria ser de alegria e reflexão.
Feliz Natal é uma expressão sem sentido para o povo de Ponte Nova.
Talvez no ano que vem...