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JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, Brazil
Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Escutas telefônicas apontam cartel da droga em Juiz de Fora

Por Michele Pacheco

As escutas telefônicas autorizadas pela justiça e feitas pela Polícia Civil de Juiz de Fora revelaram que traficantes adotaram estratégias de mercado para lidar com o crime.
Depois da prisão de três homens na semana passada, ligados a duas quadrilhas distintas, os policiais atrapalharam a jogada criminosa.
Dois dos suspeitos foram apontados como coordenadores do novo esquema de tráfico.

Um deles foi preso pelas policiais federal e civil no pedágio da BR 040, em Simão Pereira, com quase 10kg de pasta base no tanque do carro.
Era a comprovação do que os levantamentos do Grupo Tático Operacional de Tóxicos apontava: mudança no jeito de traficar.
Tradicionalmente, os chefes de tráfico assumiam uma área da cidade, providenciavam a droga e forneciam para os outros integrantes da quadrilha que cuidavam da rede ramificada de pontos de venda.

Com as operações das Polícias Civil e Federal nos últimos anos, a maioria dos líderes foi para trás das grades.
Os criminosos que restaram decidiram inovar.
Um deles montou um esquema de cartel.
Como líder do grupo, ia pessoalmente ao Paraguai buscar a pasta base com um contato que só ele conhecia.

Assim, eliminava intermediários, mulas e fretes, conseguindo preços bem melhores pelo material.
Pagando menos, ele revendia por valores mais baixos do que os cobrados em outros esquemas e garantia aos aliados a chance de mais lucro e preços melhores do que os concorrentes.

Claro que a propaganda é a alma do negócio e a cada vez que a transação dava certo, mais quadrilhas queriam participar.
Ele chegou a fazer duas viagens no mês passado.
Um gerente ficava encarregado de aliciar traficantes para o cartel.
Eles tinham a opção de pagar a droga antes da entrega, à vista com desconto, ou quando recebessem o material, pagando mais caro depois da entrega.

Nas escutas telefônicas, o líder e o gerente aparecem negociando encomendas e falando de depósitos bancários para compra da droga. Os dois deixam claro que quem não fazia parte do esquema ficava na mira do cartel.
O gerente chega a dizer que ficou na porta da casa de um desafeto até 4h da manhã, armado, e que se o cara tivesse chegado em casa, teria sido morto.

Nem sempre as negociações eram tranquilas.
O gerente se exalta em vários momentos em que conversa com traficantes da cidade, combinando pagamentos e entrega.
A presença de quadrilhas de fora também não era bem vista.
Num trecho da gravação, o líder pergunta ao gerente se ele fechou negócio com o pessoal de Volta Redonda-RJ.
O rapaz responde que não, que só estava dando corda para ver quais eram as intenções do grupo que tentava entrar em Juiz de Fora.

Os dois responsáveis pelo cartel estão presos.
A ação deles repetia uma prática condenada no mercado financeiro, o cartel.
Um grupo de pessoas ou empresas se une para baixar preçoas, tabelar valores e criar vantagens entre eles que prejudiquem os concorrentes.
Era o que vinha ocorrendo em Juiz de Fora.

Quem fazia parte do esquema tinha mais lucro e podia cobrar mais barato, deixando em maus lençóis os demais traficantes que tinham esquemas próprios para conseguir droga.
Outro detalhe revelado pelas investigações é que Juiz de Fora deixou de ser rota do tráfico, recebendo maconha, cocaína e crack de outros pontos do país, e passou a ser um centro de refino e distribuição.

Mas, isso não significa que a cidade esteja produzindo em larga escala para vender a outros municípios do país.
A produção daqui era mantida na região.
A droga refinada em laboratórios clandestinos e improvisados é distribuída na cidade e em alguns municípios vizinhos.
Mal a pasta base chega, já é entregue aos traficantes que fizeram a encomenda, misturada e vendida.

A Polícia Rodoviária Federal também tem notado mudanças no tráfico. O Inspetor Wallace Wischansky contou que antes era comum apreender nas rodovias da região maconha e drogas refinadas.
Agora, quando surge uma denúncia, eles encontram quase sempre a pasta base, que depois de misturada dá origem ao crack e à cocaína.

Como o consumo de crack aumenta sem controle, muitos traficantes abrem mão da cocaína e refinam apenas as pedras.
Na operação da semana passada, a Polícia Civil apreendeu em torno de 20 kg de pasta base.
Além da droga do cartel, havia cerca de 10kg enterrados num sítio na cidade vizinha de Chácara.
O material era aguardado por um pedreiro que foi preso.
Ele admitiu que recebia uns mil e poucos reais para vigiar a droga, desenterrá-la e entregar a algum contato que o dono do entorpecente determinasse.

Mas, o esquema também foi interrompido.
O interessante é que o dono da droga está preso na Penitenciária Nelso Hungria, em Contagem.
Segundo os policiais do GTO de Tóxicos, ele comandava o tráfico de dentro da cela, usando um celular.
Assim, contactava o pedreiro e também os subordinados que eram responsáveis por entregar a droga em Chácara e por levá-la até os compradores.
O traficante foi preso em 2008 pela Polícia Federal num condomínio de luxo de Juiz de Fora, onde mantinha um laboratório de refino.

O delegado regional da Polícia Civil, Eduardo de Azevedo, explicou que a mudança de comportamento dos traficantes com relação ao tipo de droga comprado é um reflexo das ações policiais.
Eles vinham tendo muito prejuízo com as apreensões e decidiram aumentar as chances de lucro comprando a pasta base e fazendo a mistura.

Dependendo do tipo de droga esperado, um quilo chega a render até quatro quilos de cocaína mais "batizada".
Se os compradores forem mais exigentes, a mistura é em menor escala.

As investigações do Grupo Tático Operacional vão continuar.
Eles querem monitorar o comportamento das quadrilhas que tiveram os chefes presos e também descobrir quem eram os traficantes que compunham o cartel.
Mais uma vez, parabéns à Polícia Civil pelo trabalho ágil e competente.
Saudades do tempo em que além das polícias civil e federal, a PM também tinha um serviço de inteligência eficiente e nos garantia excelentes matérias de ação.