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JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, Brazil
Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Reveillon de chuva e mortes em Juiz de Fora

Por Michele Pacheco

O tempo fechado durante toda a semana já era um indício de que o Reveillon seria molhado por aqui.
Dito e feito!
A festa planejada pela prefeitura em quatro pontos diferentes da cidade perdeu muito do brilho.
Na praça de Benfica, zona norte da cidade, estava tudo pronto para uma grande festa.
Mas, uma chuva intensa desanimou muita gente.
Quem resolveu arriscar, disputou espaço nas marquises e nos bares.

Encontram os o pessoal da prefeitura por lá.
Todo mundo estava triste com a festa molhada, mas tentava manter o bom-humor.
Mas, à meia-noite, os dez minutos de fogos de artifício fizeram a galera esquecer o desconforto.
Mesmo no temporal, quem foi para a praça comemorou e dançou ao som de música eletrônica e forró.

Acabamos a cobertura de Reveillon e já sonhávamos com um repouso, já que estávamos trabalhando desde as sete da manhã.
Mas, em plantão de fim de ano, descanso é um sonho!
Chegamos em casa, de olho no chuveiro e na cama, quando uma fonte ligou dizendo que um barranco tinha desabado no bairro Retiro e que havia três pessoas soterradas.

Corremos para lá e encontramos os bombeiros lutando contra o tempo.
Quando se trata de solterrados, cada minuto faz diferença.
As equipes cavavam com pás para retirar a montanha de terra que desabou sobre um ponto de ônibus.
A informação de moradores era de que três pessoas que esperavam o coletivo tinham ficado soterradas.

Para agilizar o socorro, os bombeiros conseguiram ajuda de uma escavadeira.
Com a máquina, o trabalho foi mais rápido.
Mesmo assim, três horas depois de começarem a busca, ainda havia muito material para ser removido.
Era preciso cuidado.
Se realmente houvesse alguém debaixo da terra, a escavadeira poderia causar ferimentos.
Por isso, a máquina tirava o volume maior e os bombeiros davam os retoques com pás.
Por sorte, nenhuma vítima foi encontrada.

No bairro vizinho, Jardim Esperança ,
foi o córrego que transbordou.
A BR 267 ficou interditada nos dois sentidos.
Quem queria voltar para casa nas cidades da região ficou preso numa longa fila de veículos.
Até quem mora nos bairros próximos não conseguiu passar.
Houve inundação em várias ruas.
Enquanto esperavam a água baixar, os viajantes aumentaram a multidão de curiosos que acompanhava o trabalho dos bombeiros.

As equipes se dividiram para atender a todas as ocorrências em andamento.
Por volta de quatro da manhã, chegou o chamado mais grave.
Foi no bairro Cesário Alvim.
Um barranco deslizou e carregou junto metade de uma casa de dois andares.
Cinco pessoas da mesma fam ília estavam dormindo na hora da tragédia.

Chegamos logo depois dos bombeiros e vimos a dificuldade deles para trabalhar.
Eles precisavam ser rápidos, mas o gerador estava no suposto soterramento do bairro Retiro.
Com lanternas, a equipe que chegou primeiro escalou o paredão de entulho e destroços à procura de sobreviventes.
Emprestamos nosso iluminador portátil e duas baterias para ajudar na busca das vitimas.
Um casal que dormia num quarto do segundo andar sobreviveu e foi retirado da casa pelos bombeiros.

A situação foi triste demais.
O sobrevivente é o nosso colega da imprensa, Trajano Andrade Neto, motorista do jornal Tribuna de Minas.
Ele estava desesperado e contou que a família inteira se reuniu para celebrar o Reveillon.
A festa acabou por volta de duas da madrugada.
Ficaram na casa: os pais dele, que moravam na parte de baixo, ele, a mulher e a sogra na parte de cima.

Às quatro da madrugada, Trajano acordou com um barulho estranho, foi até à sacada e descobriu que metade da casa tinha desaparecido.
Apavorado, ele começou a gritar por socorro.
Um militar vizinho saía para o trabalho, quando ouviu os gritos.
Ao chegar em frente à casa, levou um susto com o tamanho da destruição e chamou os bombeiros.

As equipes que já estavam exaustas dos últimos atendimentos correram para o Cesário Alvim.
Quando chamam os bombeiros de guerreiros e heróis, é por um bom motivo.
Aqueles homens suados, cansados, imundos de terra e lama, cavaram sem parar de quatro da manhã até às seis, quando o primeiro corpo foi localizado.
Ruth Gonçalves de Oliveira, a sogra do Trajano, foi arrastada com cama e tudo.

As buscas foram retomadas.
Lá pelas nove horas, os bombeiros pareciam sombras humanas, movidas apenas pelo desejo de salvar aquelas pessoas.
Eles não prestavam mais atenção ao frio, às roupas encharcadas, aos braços e pernas dormentes de tanto cavar na mesma posição.
Qualquer descuido poderia colocar abaixo o que sobrou da casa e empurrar a terra para as casas da rua de baixo.

Minuto a minuto, hora a hora, as esperanças iam diminuindo e o desespero da família aumentando.
Além de se preocupar com a segurança dos companheiros, os bombeiros tinham que evitar que o grande número de curiosos invadisse a área isolada para tirar fotos.
O "turismo da tragédia" sempre me assusta.
Basta saber que alguém está sofrendo, para que algumas pessoas saiam de onde estiverem para ver de perto, fotografar e atrapalhar a vida de quem está lá trabalhando.

Deixamos o local por volta das onze horas.
Tínhamos que levar o último material gravado para a TV e eu precisava estar na exibição do jornal, para não deixar o pessoal na mão no feriado.
As buscas foram mantidas.
Duas lajes caídas dificultavam o acesso aos corpos restantes.
À tarde, uma escavadeira foi usada para agilizar o serviço antes que voltasse a chover.
O segundo corpo foi encontrado às quatro e meia.
Era de Cecília Gallo Andrade, de 75 anos.
O marido dela foi encontrado, Gelito Sabatineli Andrade, de 78 anos, foi localizado e removido uma hora depois.