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JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, Brazil
Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Crack a droga da morte

Por Robson Rocha

Na semana passada, foi exibida no Jornal da Alterosa uma série sobre o crack.
As três reportagens da série foram exibidas há duas semanas pela TV Alterosa Juiz de Fora.
Tudo começou quando estávamos gravando uma matéria em um bairro da cidade, onde os moradores reclamavam dos entulhos jogados em um terreno.

Enquanto a Michele conversava com os moradores, fui gravar as imagens.
No terreno, havia resto de construções, lixo, pedaços de móveis. Quando estava registrando as primeiras imagens, vi algo se movimentando no meio do entulho, atrás de um ponto de ônibus.
Aproximei-me e vi um homem com uma lata de cerveja na mão e colocando cinzas de cigarro sobre ela.

Quando ele me viu com a câmera, se assustou e mandou que eu fosse embora.
Parei e insisti perguntando o que ele estava fazendo.
Ele me xingou e novamente mandou que eu saísse, pois ele não queria ser gravado.
Disse a ele que só queria saber por que ele estava colocando cinzas de cigarro, se ele ia fumar crack.
E disse que não mostraria o rosto dele.

O homem se alterou novamente.
Nisso, algumas crianças se aproximaram e eu disse para elas saírem.
Aí, ele disse que poderia me mostrar como fazia para fumar a “pedra”.
Mas, não queria aparecer.
Coloquei a câmera no ombro e ele disse que assim não.

O jeito foi pendurar a câmera pela alça.
Quando ele começou a me explicar, eu comecei a gravar, mas não tinha como ajustar o equipamento.
Isso, porque quando eu colocava a mão na lente ele me mandava tirar a mão da câmera.
Como não queria perder o flagrante e precisava direcionar o microfone da câmera na direção do homem, eu ia ajeitando o enquadramento com o quadril.

Mesmo assim, a câmera não podia ficar muito tempo apontada para ele, pois reclamava.
Mas, ele explicou que como não tinha cachimbo, usava uma latinha de cerveja.
Ele disse que primeiro tinha que fazer vários furinhos na lata e as cinzas eram para que as pedras de crack não caíssem dentro da latinha.
Depois que as pedras estavam colocadas, com um isqueiro ele ia esquentando o crack.

Depois do primeiro trago, ele começou a se alterar.
Começou a ficar trêmulo e a falar mais.
Perguntei por que se escondia no meio do lixo para fumar e ele disse que precisava da droga.
Eu me assustei quando perguntei a idade dele e ouvi que tinha trinta e dois anos.
Isso, porque ele aparentava ter pelo menos uns 50 anos.

Ele me pediu que saísse, pois já tinha falado demais.
Respeitei a vontade dele e fui gravar as entrevistas com os moradores que estavam esperando com a Michele.
Depois de gravada a entrevista, passei a situação para a Michele, pois as imagens, apesar dos enquadramentos ruins, eram um flagrante.

A Michele improvisou um texto para gravar uma passagem para uma possível matéria.
Como poderia render um bom material, optamos por usar o microfone de lapela.
Gravamos discretamente para não assustá-lo.
Voltei até o homem e perguntei se ele gravava uma entrevista com a gente e que não iríamos identificá-lo.
Perguntei se a Michele podia conversar com ele e a resposta foi positiva.

Mantivemos o microfone de lapela na Michele para gravar ao invés de usar o microfone de punho, que poderia intimidá-lo.
Quando a Michele se aproximou, ele ficou muito nervoso.
Voltei e conversei um pouco sem a câmera e o homem se acalmou.
Depois pediu um tempo.

Eu, por alguns instantes, parei no tempo observando aquela cena humilhante.
Um homem de 32 anos, fisicamente velho, bem arrumado e no meio do lixo.
Uma ânsia por dar os tragos na lata.
Ele tremia, parecia não ter controle sobre os músculos.
Por várias vezes, deixou o isqueiro cair e ficou nervoso por não conseguir encontrá-lo.
Como ele não achava, eu pegava o isqueiro e entregava, ele o pegava da minha mão como se fosse um faminto pegando um pedaço de carne.

A boca do jovem estava toda ressecada pelo uso da droga e cortada pela lata.
Mas, ele parecia não sentir nada.
Em vinte anos de profissão, poucas vezes me senti tão mal.
Mas, estava ali a trabalho e não tinha a intenção de denegrir o que restava daquele ser humano no meio do lixo.
Mas, achei importante mostrar a que ponto a droga leva um homem.

Ele acabou de fumar, revirou o chão procurando mais pedras e eu disse que não havia mais.
Perguntei se agora ele conversaria com a Michele e concordou.
A Michele se aproximou e dessa vez ele pediu para esperar um pouco.
Ele me pediu para ajudá-lo a se levantar, pois não conseguia sozinho. Ele sentou no ponto de ônibus e pediu que esperássemos mais um pouco.
Era o tempo para o efeito da droga passar.

Quando ele melhorou, pediu que a câmera ficasse direcionada para a Michele.
O homem tentou explicar que tinha profissão, mas não conseguia falar e pediu papel e caneta.
Com as mãos tremulas, colocou no papel que já foi chapa de caminhão, operador de máquina entre outras coisas.
Disse que tem duas casas alugadas e tem medo de vendê-las para manter o vicio.

O dependente químico disse que o mais triste é quando o filho dele pergunta por que o pai não pára de fumar o crack e ele não tem resposta, pois não consegue abandonar o vicio.
O rapaz afirmou à Michele que já esteve internado por dois anos e, quando saiu, voltou a usar a droga um mês depois de deixar a clínica.
A Michele perguntou o por quê.
E, ele disse que foi graças aos “amigos”.
Explicou que ninguém colocou a droga em sua boca, mas o induziram a voltar ao vicio.

A Michele perguntou se ele não tinha medo de morrer e o homem foi categórico em dizer que não tem medo de nada.
Falou que ele sabia que a mãe e o filho dele iam sofrer, mas que a morte seria um descanso.
Pois, segundo ele, é soropositivo e não consegue deixar o crack.
Explicou que separou da mulher quando descobriu que tinha Aids, para não contaminá-la com o vírus.

O depoimento dele olhando nos nossos olhos assustava, pois ele estava falando a verdade.

Em determinado momento, ele disse à Michele que naquele momento ele poderia dizer qualquer coisa, mas que depois ele não ia fazer.
Isso mostra que ele tem consciência do mal que está fazendo a si mesmo, mas a droga o domina totalmente.
Ele tinha acabado de fumar e estava momentaneamente saciado, mas quando a vontade viesse ele ia usar a droga de novo.

A Michele perguntou se era fácil comprar o crack e o homem afirmou que é muito fácil.
Que existe a droga em todos os bairros da cidade, basta procurar.
Ele conversou conosco durante um longo tempo.
A demora foi mais pela dificuldade em se expressar, provavelmente pelos anos em que o organismo dele é prejudicado pelo uso da droga.

No final perguntamos se ele aceitaria um tratamento para deixar a droga.
Ele disse que aceitaria, mas não naquele dia.
Isso, porque ele ainda tinha algumas coisas para fazer.
Pegamos o endereço dele para passar a alguma clinica que se interesse em ajudá-lo.
Nisso, parou um ônibus e ele se foi.

A partir daí, fomos procurar todas as informações possíveis sobre o crack.
Descobrimos que o crack surgiu nos Estados Unidos na década de 1980 como um subproduto da cocaína e se popularizou entre as camadas mais pobres.
O crack gera uma dependência difícil de ser abandonada.
Ele é absorvido rápido pelo cérebro e causa prejuízos às células nervosas.
O consumo entre crianças e adolescentes é cada vez maior.
Hoje, ele é consumido em larga escala e vicia mais rápido que qualquer outra droga.

Gravamos com o diretor geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Correa, que disse que o crack se tornou um problema social.
Luiz Fernando disse que antes o Brasil importava a cocaína refinada, pronta para o uso.
Mas, acrescentou que hoje entra no País a pasta básica e que o crack é produzido no Brasil.
Além disso, nosso país é um importante pólo petroquímico mundial, onde os produtos necessários para o refino do crack podem ser encontrados sem dificuldade.
Ao contrário dos países em que a produção tradicional está prejudicada pelas ações internacionais de combate ao tráfico.

A Carla Detoni, nossa produtora, deu a idéia de fazermos uma série ao invés de uma matéria especial e partimos para a produção de entrevistas.
Além de buscar outros casos.
Um desses casos foi o de uma mãe que não sabe mais o que fazer com o filho, que segundo ela, desde os 11 anos, devido ao vicio do crack está roubando e está violento.
Mas, que as autoridades não tomam nenhuma atitude com relação ao garoto e que ela teme que ele morra antes que alguma coisa seja feita.

Procuramos o pessoal do GTO Tóxicos, Grupo Tático Operacional de Tóxicos, da Polícia Civil de Juiz de Fora.
Lá, nos passaram todos os dados sobre drogas na região e nos indicaram especialistas para explicar como a droga age no organismo.
O delegado do GTO, Fernando Camarota, explicou como a droga prejudica, além do viciado, a família e a sociedade.
Isso porque o efeito da droga é rápido e o viciado passa a roubar para comprar o crack.

O médico do IML, Agner Moreira, nos disse que o crack é a droga que vicia mais rápido e que causa uma dependência física violenta.
Pois ela substitui a dopamina, uma substância importante que atua nas ligações entre os neurônios.
Além disso, ela causa um efeito parecido com a Doença de Parkinson, pois o viciado se torna trêmulo.
Sem se esquecer de que, com o tempo, ela mata os neurônios e pode levar o viciado à morte.

Uma pesquisa das Universidades de Brasília e Federal do Rio de Janeiro mostrou que 54% das condenações no Rio e no Distrito Federal foram aplicadas por quantidades de droga inferiores a 100g.
Por isso, procuramos o delegado Rodrigo Rolli, que estava no plantão, e ele nos explicou que nas apreensões maiores é difícil provar que a droga pertence a um suspeito, pois na maioria das vezes, o entorpecente é encontrado escondido e não em poder do detido.

E, esse foi o caso que encontramos nesse mesmo dia na delegacia de plantão.
1841 pedras de crack e uma garrucha foram apreendidas e um adolescente de 17 anos detido.
Mas, a droga não estava com ele e sim escondida em um terreno.
Além disso, não havia testemunhas.
Nesse caso, como ele negou que era dono do entorpecente, não havia como provar nada.

Isso nos leva a outro dado importante.
Crianças e adolescentes aparecem cada vez mais nas estatísticas como consumidores e mão-de-obra para o tráfico.
E se tornou uma cena comum, esses jovens serem apreendidos em operações policiais de combate ao tráfico.

Para o Gestor de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, José Eduardo Amorim, esse envolvimento de crianças e adolescentes com as drogas é muito perigoso.
Segundo ele, a infância é um período em que nossas “janelas do conhecimento” estão abertas para o aprendizado que vai ficar registrado para o resto da vida.
E, quanto mais cedo o vicio começa, mais difícil conseguir abandonar as drogas.
Principalmente o crack, que vicia rapidamente.

Para José Eduardo, esse não é um problema só de segurança publica e sim uma questão educacional.
Ele afirma que esse setor tem que se adaptar para ajudar a afastar os jovens das drogas.
Pois só a repressão não tira o jovem do vício.
E um outro problema é que, entre os dependentes que buscam ajuda nos projetos de recuperação, o vício do crack é o mais difícil de ser superado.

Hoje, o crack está presente em todas as classes sociais.
Dados do Relatório Mundial sobre drogas, divulgado pelas Nações Unidas, revelam que no Brasil as apreensões triplicaram em um ano.
Em 2006, foram apreendidas 145 toneladas da droga.
Em 2007, o total chegou a 578 toneladas.

Em Juiz de Fora, já foram apreendidos em 2009 cerca de 100 quilos de crack e mais de 10 mil pedras.
Isso, sem contar os laboratórios de produção da droga estourados na cidade pelas polícias Federal, Civil e Militar no ano passado.

Cálculos da Organização Mundial da Saúde apontam que, numa cidade como Juiz de Fora, com cerca de 600 mil habitantes, 20% da população consomem ou vão consumir algum tipo de droga.
E o pior, segundo a OMS, é que apenas 15% dessas pessoas abandonam as drogas.
Projetando isso para Juiz de Fora, quer dizer que 120 mil juizforanos, em algum período da vida, vão consumir alguma droga ilícita e que cerca de 100 mil pessoas não abandonarão as drogas.

Por fim, depois de todos os dados levantados e entrevistas gravadas, partimos para montar o enorme quebra-cabeças.
Para conseguir fechar todo esse trabalho, a colaboração da galera do GTO durante a produção dos materiais foi fundamental.
E, também do José Eduardo Amorim, que nos orientou em relação ao vicio.

Mas, o que fica pra gente no final é que esse problema ainda vai atingir milhares de famílias e que muitos jovens ainda vão morrer e matar em função dessa droga que veio pra ficar.

A série de matérias pode ser vista na coluna ao lado.