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Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Abuso sexual de 5 crianças em Mercês-MG

Por Michele Pacheco

Na segunda-feira, recebi a ligação de uma mulher desesperada.
Ela se identificou como moradora de Mercês, uma cidade de dez mil habitantes na Zona da Mata Mineira.
Na semana passada, essa mulher descobriu que a filha de 7 anos vinha sendo molestada desde as férias de julho.
Repassei os dados à produção e ontem fomos à cidade acompanhar o caso.

Conversamos com os pais das cinco crianças que teriam sido abusadas sexualmente por dois adolescentes.
A primeira mãe a gravar entrevista foi a que me ligou.
Ela disse que a filha não contou nada e que foi preciso um vizinho alertar a família.
A menina foi vista entrando num matagal com os adolescentes, um de 13 anos e outro de 17.
Depois de pressionada pelos pais, a garota contou tudo.
Pelo relato, os dois tiravam a roupa dela e tentavam a penetração.
Como ela chorava muito, eles desistiam e faziam sexo oral.
Após a denúncia ser feita, a mãe disse que mudou da cidade com a filha.

A mãe de um menino de oito anos estava muito nervosa e envergonhada.
Ela disse que todas as vítimas e os dois suspeitos são vizinhos na mesma rua e sempre conviveram desde pequenos.
Ninguém desconfiava de nada.
A mulher disse que o nome do filho dela foi citado pela menina e por moradores do bairro que viam o grupo indo para o mato.
O menino disse que achava que era uma brincadeira.
Ele passou por exame de corpo de delito em Ubá e o resultado ainda não saiu.

Outra vítima foi um garoto de 9 anos.
Muito humilde, a mãe mal sabia como descrever o que estava sentindo.
Ela contou que o menino não falou nada sobre o abuso sexual, pois tinha sido ameaçado pelos suspeitos.
Os adolescentes se aproveitavam do fato de serem vizinhos das vítimas para vigiar se alguma delas estava contando o que era feito.

Nossa quarta entrevistada vive a situação mais complicada de todas as famílias envolvidas.
Ela é mãe de um menino de 5 anos que teve o abuso sexual confirmado por meio de exame médico.
O menino negou tudo até o último minuto. Inclusive, mentindo para a psicóloga que acompanha as vítimas.
Ele só admitiu para o médico na hora do exame de corpo de delito.
Ainda assim, não contou nada aos pais.
O detalhe mais sórdido da história é que o garotinho é sobrinho de um dos suspeitos.
A mãe dele está abalada e não sabe como reagir.
Afinal, para defender o filho, ela tem que acusar o próprio irmão.

Por fim, gravamos com um casal.
O pai estava tão nervoso, que não me encarava.
Numa situação dessas, o repórter tem que ter muita sensibilidade.
As pessoas estão no limite e podem simplesmente descontar no entrevistador a frustração, ou sair sem responder a nada.
Conversei muito antes de gravar, perguntei das crianças, da reação delas, do desenvolvimento na escola.
O pai pediu justiça na entrevista.

A mãe se revoltou ao lembrar que o filho de 10 anos admitiu, depois de muita pressão dos pais e de conversas com a psicóloga e os conselheiros tutelares, que foi violentado várias vezes.
Ele encontrava os adolescentes no campinho de futebol improvisado numa rua de terra do bairro Nossa Senhora Aparecida, onde todos moram.
Os dois chamavam as crianças para ir a uma mata perto do campo ou a uma moita de bambu a uns 200 metros do local.

Afastados dos olhares dos vizinhos, os adolescentes mandavam o garoto tirar a roupa e faziam sexo anal.
O menino não soube dizer ao médico e aos pais quantas vezes sofreu abuso.
Disse que foram várias.
A mãe revelou que o filho se tornou agressivo nos últimos meses, criando problemas em casa ou ficando deitado por muito tempo, sem reagir a nenhum pedido dos pais ou explicar o motivo da depressão.
Segundo a família, o garoto tem se recusado a sair de casa e tem mostrado medo de represália.

Conversamos com os cinco representantes do Conselho Tutelar na cidade.
Eles foram acionados pela Polícia Militar, no dia em que uma das mães prestou queixa na delegacia de Mercês.
Os conselheiros já ouviram os pais, as vítimas e os suspeitos.
Os dois adolescentes negaram os abusos no início, mas mostraram contradições nas conversas.
O caso foi encaminhado ao Ministério Público.

José Ribeiro Soares é Comissário da Infância e da Juventude há 35 anos e Conselheiro Tutelar há 5 anos.
Ele disse que ficou chocado com a história e que esta é a segunda vez que uma denúncia de abuso sexual contra menores de 18 anos é feita na cidade.
"É difícil de aceitar.
Vivemos numa cidade pequena, em que somos como uma grande família.
Todos se conhecem.
É um absurdo o que houve com essas crianças" desabafou o conselheiro empenhado em ter respostas e ações das autoridades.

Depois das entrevistas no Conselho Tutelar, fomos ao bairro.
Olhe, que parecia que não chegávamos nunca!
O local fica na parte alta da cidade.
As ruas são muito íngremes e nossa Parati sofreu para subir e descer as passagens de calçamento e terra.
Era só olhar para baixo, para ver o centro e os outros bairros bem longe.

Gravamos no campo de futebol, fizemos imagens da rua e fomos por uma estrada de terra à procura da tal moita de bambus.
O problema é que a estrada foi se estendendo por uns bons quilômetros e havia moitas de bambu por todo o trajeto.
Acabamos no topo da montanha, com vista privilegiada de Mercês.

Como o Robson não é bobo, aproveitou para fazer imagens gerais do alto.
O triste foi o sol escaldante do meio-dia, a poeira levantada pelo vento e os carrapatos em fila nas folhas esperando uma carona para Juiz de Fora.
Estou me coçando até agora, mas não achei sequer um caroneiro!

Eu bem que queria ficar quieta dentro do carro, mas a curiosidade de olhar a paisagem foi maior.
Eu me juntei ao Robson na sauna natural de Mercês.
Era só ficar quieto parado no sol, com blazer, para suar em bicas e ter a sensação de ter perdido todo o líquido do corpo.
Mas, valeu pela vista.

Encerramos nossa passagem por Mercês na delegacia.
O delegado encarregado do caso já tinha avisado à Carla Detoni, nossa repórter produtora, que não iria gravar entrevista.
Mas, como todo repórter é chato, resolvemos tentar pessoalmente.
Não adiantou, pois não encontramos com ele por lá.
O laudo definitivo dos exames de corpo de delito devem ser entregues nos próximos dias.

Enquanto as autoridades não decidem o que fazer, nem concluem as investigações, as famílias vão continuar vivendo um pesadelo.
Os pais reclamam que os adolescentes passam por eles e ficam debochando.
Dizem que nada vai ocorrer, pois são menores de 18 anos e não vão presos.
Mas, eu ainda acredito na justiça desse país.
E no poder da mídia para cobrar atitudes das autoridades, caso elas se acomodem.