Por Marcelo Lima - Repórter da Rádio Solar
Olá amigos, Adorei o blog de vocês! Muito bem editado e com um layout leve e super agradável de ler (Nem parece que foi o Robson que fez..rs..rs).
Abaixo segue uma história fora do ar. Tenho a impressão que ficou longo, mas li e reli um milhão de vezes e não encontrei o que cortar.
Abraços Marcelo
"O Salvador da Pátria"
Mudanças bruscas na angulação de uma pauta sempre deixam o repórter meio perdido. Foi isso que aconteceu comigo em uma noite no final de 2006. Estava na redação finalizando a edição de retrospectiva do programa Ronda Policial, quando o porteiro da emissora me transferiuuma ligação. A voz apavorada do outro lado da linha avisava:
"Houve uma troca de tiros envolvendo policiais e assaltantes aqui! Duas pessoas estão mortas".
Sem que pudesse obter mais informações a ligação foi encerrada. Eram 23h30 de uma quinta-feira. Na emissora estavam apenas comunicadores e operadores de áudio. Pensei em acionar o motorista, mas não havia tempo suficiente para o deslocamento dele (ônibus), até a rádio onde pegaria o veículo da emissora. Eu só tinha o endereço e a possibilidade de uma boa reportagem para o Jornal da manhã.
Decidi equipar o meu próprio carro com "mantas magnéticas" com o logo da emissora e segui rumo a um bairro pobre da região sudeste de Juiz de Fora. O cenário era composto de ruas estreitas e vielas que lembram favelas cariocas. Sem o conhecimento de editor ou chefe de reportagem, assumi por conta própria os riscos que corria para obter a matéria. Tomei o primeiro susto no acesso à parte alta do bairro, uma rua escura e estreita. Acelerando o meu Fiesta 1.0 até o limite ouvi gritos para que eu parasse o carro.
Parei e fui interpelado por pessoas que eu não via o rosto. Uma delas perguntou:
- Vai aonde mermão?
Imediatamente respondi:
-Sou repórter da Rádio Solar, me ligaram daqui denunciando um crime.
Logo em seguida ouvi um grito com tom de autoridade:
- Deixa o cara subir! Foi a comunidade que chamô!!!
Tremendo dos pés a cabeça, engatei a primeira marcha e segui firme em direção à minha pauta. Confesso não ter visto nenhuma arma apontada na direção do meu carro, mas até hoje penso que ela existia. Não sabia quem eram as pessoas que me abordaram naquela espécie de “portaria”, mas tive a nítida sensação de que pensaram realmente em impedir minha entrada. Passado o susto inicial, logo acima encontro uma viatura daPM com dois policiais conversando do lado de fora. A dupla me olha com cara de espanto, enquanto eu os cumprimento e pergunto:
- Onde aconteceu a troca de tiros? Onde estão os corpos?
A resposta de um dos policiais é imediata e vem acompanhada de um conselho.
- É lá em cima no último escadão, mas se eu fosse você, não subiria lá não!!
Por alguns instantes pensei em desistir, afinal de contas, aquela reportagem já havia se tornado arriscada demais para o meu espírito de Tim Lopes. Por outro lado, pensava nos desconhecidos que me abordaram na parte baixa do bairro. Eles poderiam me hostilizar, já que a minha entrada foi condicionada ao fato de que a comunidade havia me convocado para uma matéria. Segui em frente. Fui orientado por um dos policiais a subir uma rua em contra-mão porque acima dela já me depararia com a cena do crime. No trajeto, olhos assustados me fitavam com surpresa pela minha presença naquele horário e diante daquela circunstância. Pensando que iria encontrar a dupla Robson e Michele (os repórteres mais bem informados de JF), subi o morro. Ledo engano. Eu era o único repórter na cena do crime.
Imediatamente meu carro pessoal foi cercado pelos moradores que gritavam revoltados:
- Assassinos! Mataram inocentes! Covardes!!!
Eu acabara de me tornar o Salvador da Pátria! Naquele momento me senti o Governador do Estado, o Secretário de Segurança Pública ou qualquer outra autoridade com poder para exonerar todos os policiais que estavam ali; uma espécie de Sassá Mutema, mas sem professorinha, porque eu estava totalmente sozinho com o meu ímpeto jornalístico.
Tive que pedir licença aos populares para abrir a porta do carro. Na minha frente havia um cordão de isolamento com cerca de 50 policiais militares, mas para chegar até lá, tinha que ouvir as informações que vinham de curiosos, moradores e alguns que se identificaram como sendo da família de uma das vítimas que eu ainda não sabia quem era. Me aproximei do cordão e foi recebido por um Major, já conhecido meu, que sentenciou:
-Você é louco!! O que você está fazendo aqui?
Respondi a ele:
- Me conta o que aconteceu. Vou ser direto, disse o policial: "Não posso dar grandes informações por que fui chamado para comandar essa operação de conter a população que está revoltada, mas posso te contar em Off. Policiais da viatura “tal” subiram aqui à procura de dois homens que assaltaram uma empresária no Bom Pastor (bairro de classe média alta na zona sul); e durante o cerco, um homem cruzou essa viela com uma arma na mão e um colega atirou nele. Ao se aproximar, o colega percebeu que a arma era de brinquedo, mas já não havia o que fazer. Trata-se de um jovem de 18 anos. O Corpo de Bombeiros teve dificuldade de acesso ao local para socorro à vítima e foi aí que me acionaram para cá, com a missão de conter a população que já começava a hostilizar a polícia. Não sei se houve troca de tiros. Não posso avaliar a atitude do meu colega, mas essa é a verdade".
Naquele momento, olhei em volta e percebi que eu seria o porta-voz do povo quando ultrapassasse o cordão de isolamento de volta. Isso porque os boatos já haviam tomado conta do bairro e davam conta de que dois jovens que eram irmãos tinham sido mortos, ou ainda, várias outras versões que não condiziam com os fatos. Caberia a mim dizer a verdade para a população, alguns sem saber o que acontecia de verdade e proibidos de chegarem até suas casas em razão do isolamento para garantir o trabalho da policia técnica.
Me deparei com uma questão. Como dar a informação sem provocar uma convulsão social e o violento confronto entre moradores e a polícia comigo na linha de tiro?
Respirei fundo e passei debaixo do cordão de isolamento voltando ao encontro dos moradores. Imediatamente fui cercado por eles. As perguntas eram tantas, e ao mesmo tempo, que deixei a condição de repórter e me tornei entrevistado. Os questionamentos se seguiram rapidamente aos gritos de alguns mais inflamados:
- Ta conivente com os pm´s assassinos!! Lincha!!! Lincha!!!
Meu carro se encontrava a uns 5 metros de distância e já sabia que teria dificuldades para deixar o bairro. Sentindo que a atribuição de controlar a população havia passado para mim desde a minha chegada ao local do crime, passei a conversar com todos, sem mesmo saber quem eram e que ligação tinham com o fato.
Liguei o gravador e coloquei na boca de todos que se aproximavam. Satisfeitos por terem recebido voz da imprensa, com o equipamento ligado fui gravando tudo e empurrando a massa na direção do meu carro. Ao chegar na porta, desliguei o gravador e disparei a seguinte frase:
Olha, o que aconteceu foi um absurdo!! Preciso acionar o Governador, o Secretário de Segurança, enfim, preciso obter um posicionamento deles, mas para fazer isso tenho que ir para a redação! Acompanhem a programação.
Com essas informações consegui entrar no carro, mas ainda temendo pela minha integridade física. Consegui ligar o carro, virá-lo na rua estreita e deixar o local sem maiores problemas. Entretanto, pelo caminho ainda ouvi alguns gritos de moradores que tinham visto o meu carro subir com identificação da emissora, ligaram o rádio, e claro, não ouviram nada, pois diante da minha situação não havia condição de transmitir um flash sequer. Isso fez com que a teoria de alguns inflamados, aparentemente se confirmasse. Eu estaria realmente do lado dos policiais. Deixei o bairro tremendo com medo de pedradas e sob os gritos de Vendido!! Covarde!! Conivente!!
Essa foi, sem dúvida, uma experiência que me ensinou muito e me fez crescer profissionalmente.