Por Michele Pacheco
É muito estranho! A gente acompanha os casos, fica na expectativa de novidades, passa pelo local para ver se algo mudou, pensa em quem está vivendo o drama... Estava conversando com o Robson sobre isso hoje. O desmoronamento de um muro no bairro Santa Tereza, em Juiz de Fora, parecia apenas mais um estrago das chuvas fortes que vieram com a última frente fria. Só que acabou se revelando uma tragédia iminente.
Cerca de 20 casas estão interditadas e podem desabar a qualquer momento. A Defesa Civil faz o que pode, tirou as famílias do local, a prefeitura está pagando hotel para todo mundo, geólogos de São Paulo vieram avaliar o caso em busca de soluções... Mas, para os moradores a espera é dolorosa. Tem gente que mora naquelas casas há quase 40 anos e nunca imaginou que um dia fosse ver o lar doce lar todo rachado e ameaçando cair. São construções boas, com alicerce e estrutura bem feita. Nada disso adiantou diante da força da natureza.
O barranco está "empurrando" as moradias. A cada dia, mais casas ficam na linha de risco. Hoje, voltamos ao local para saber como está a situação, já que não pára de chover há dois dias em Juiz de Fora. Vimos famílias assustadas, recolhendo às pressas o que dava para salvar. Conversamos com o Seu Natal Vieira, um ferroviário aposentado que gastou cada centavo que juntou na vida construindo a casa confortável para a mulher e os filhos. Desde a última sexta-feira, ele era visto na varanda da residência, olhando triste para o desespero dos vizinhos que corriam de um lado para o outro salvando móveis e eletro-domésticos. Ele não imaginava que se tornaria mais uma vítima.
A encosta está cedendo e o barranco nos fundos de uma construção apresenta uma área grande de deslizamento. Como jornalistas, a gente está sempre em busca da notícia. Chega, pergunta ao pessoal da Defesa Civil se a situação piorou, procura um ângulo que ninguém tenha descoberto, pensa numa passagem diferente para a matéria, busca sonoras interessantes que tragam novidades. Mas, de repente a gente pára e olha em volta. É uma sensação muito estranha. É como ser espectador de um filme. O fato acontece bem diante dos nossos olhos e, ao mesmo tempo, longe da nossa vida. Hoje, vendo o olhar triste e melancólico do Seu Natal, quase pude enxergar as memórias que iam passando pela cabeça dele. Os momentos de alegria, os encontros familiares, cada tijolo e saco de cimento que foi colocado na casa, cada melhoria feita, o sonho realizado. E tudo isso, ameaçado por um barranco.
Aos poucos, o jornalista dá lugar ao ser humano. A cadela de olhar perdido, que não sabe para onde ir depois que o dono saiu apressado para um hotel e não pôde levá-la com ele, deixa de ser apenas um detalhe na reportagem. Sempre que lembrarmos dessa cobertura, a imagem do bichinho apavorado virá à memória. A gente se coloca no lugar dos moradores e isso dói. Não consigo me imaginar saindo correndo do apartamento que comprei com tanto sacrifício com apoio dos meus pais e que o Robson decorou com tanto carinho e trabalho duro. Mulher é um bicho esquisito, se apega a cada coisinha! Cada objeto é parte da família, todo enfeite tem uma história... que acaba sendo abreviada por um fato inesperado.
Numa hora de desespero, a gente não tem poder para acabar com o sofrimento alheio, mas pode ajudar. Usar um tratamento educado; esperar até que as pessoas terminem de fazer o que é urgente e possam gravar entrevista; respeitar o desejo de alguns de ficar quieto no canto sem falar nada; evitar atrapalhar no meio da correria; dizer um "boa sorte" ou "muito obrigada". Tenho fé na equipe que está acompanhando o caso e torço para que, muito em breve, a gente possa voltar lá e ver tudo resolvido. Que possa tomar um cafezinho nas xícaras de porcelana que a mulher do Seu Natal guarda com carinho. Que nesse dia, a ameaça de desmoronamento seja apenas mais uma história para contar.