Tragédia e falta de informação
O dia seguinte de um acidente grave é sempre complicado. Principalmente se for num fim de semana. Na TV Alterosa de Juiz de Fora, temos duas equipes de externa. Aos sábados e domingos trabalhamos em esquema de plantão, cobrindo o que der e vier. Neste fim de semana, foi a nossa vez. Trabalhamos dobrado.
Na noite de sábado, fomos avisados às sete da noite de que um avião tinha caído minutos antes na zona norte de Juiz de Fora. Local de acesso difícil, no meio de um pasto, às margens de uma represa. Chegamos rápido e encontramos bombeiros e policiais militares. A cena era triste. O avião parecia um amontoado de sucata. A fuselagem desapareceu e só restou o esqueleto do aparelho. O fogo na aeronave já tinha apagado, mas os corpos continuavam em chamas. Aquela imagem nos deixou impressionados. O caminhão tanque não chegava ao lugar e os bombeiros usaram terra para apagar as chamas. Imaginar que alguém, em algum lugar estava esperando por aqueles dois jovens deu uma sensação ruim, de que aquilo poderia acontecer com alguém da nossa família e a gente ficaria sabendo só quando as autoridades achassem por bem. Depois da noite em claro, estávamos caindo de sono e desistimos de esperar os representantes da Aeronáutica que vinham do RJ para fazer a perícia.
Resultado: tivemos que continuar no caso no domingo. Aí, vem a dificuldade de conseguir informações. No Aeroclube de Juiz de Fora, alguns funcionários nos olharam como se nós fôssemos os responsáveis pela queda e não profissionais trabalhando. Todos estavam nervosos e com razão. Mas, descontar na imprensa nunca trouxe nenhuma vítima de acidente de volta. Pedimos foto do instrutor Ricardo Rissardi, de 24 anos, e do aluno Gildânio Freire Rocha, de 22. O presidente do Aeroclube disse não estar autorizado a ceder. Pedimos um contato com a família e a resposta foi negativa. Fomos ao Instituto Médico Legal, para onde os corpos foram levados e os parentes já tinham ido embora. Ligamos para um comerciante que tem contatos no aeroporto, mas ele disse que o pessoal do Aeroclube tinha pedido para não dar nenhuma informação.
Sabemos que situações assim são delicadas, os nervos ficam à flor da pele e o assédio da imprensa acaba incomodando. Mas, um pouco de organização resolveria o problema.
Morreu um piloto com um aluno do Aeroclube de Juiz de Fora? É óbvio que os jornalistas vão aparecer em busca de informações. Basta preparar uma nota à imprensa, com dados das vítimas e a posição do Aeroclube ou do Aeroporto. Nem que seja para dizer que só vão se manifestar mais tarde. Isso já é informação. Agora, achar que cara feia vai impedir que a notícia seja divulgada, é estupidez! Quanto mais as autoridades demoram para nos informar, mais tempo desperdiçamos atrás delas. Levamos algum tempo para convencer os responsáveis pelo aeroclube de que não tínhamos nenhum intenção de prejudicar ninguém. Por fim, o assessor foi autorizado a gravar entrevista falando da manutenção do avião que caiu. Segundo ele, o aparelho passou por checagem completa em setembro e por revisões de rotina nos últimos meses.
Outro fato curioso é que nas centenas de acidentes de trânsito que fazemos por ano, os documentos das vítimas e informações sobre elas são divulgados ainda no local (claro que usamos o bom-senso de só divulgar imagens e nomes depois que os parentes são avisados pela Polícia). Agora, quando o acidente é com avião, começa a tentativa de encobrir o fato. Estávamos no local do acidente, no escuro, quando um representante do Aeroporto chegou e foi logo perguntando aos policiais e bombeiros se alguém tinha tirado fotos e, se elas existissem, que não deveriam ser divulgadas. Claro que essa pessoa levou um susto quando notou que nós chegamos bem antes dela. Por que essa neurose com acidentes aéreos? Afinal, eles são muito mais raros que os rodoviários. Tanto medo de ver os casos divulgados só desperta a nossa curiosidade sobre o quê afinal as autoridades brasileiras tanto querem esconder.
Quanto aos colegas dos pilotos mortos, é natural que estejam abalados. Mas, até nome errado das vítimas eles passaram à polícia. Será que quando os aviões da Gol e TAM caíram o Ricardo e o Gildânio não correram para a frente da TV para ver as reportagens sobre o assunto? Será que não ficaram ansiosos para ter mais informações e saber se as vítimas eram conhecidas ou o que se sabia sobre as quedas? O papel da imprensa é esse: informar. Mesmo que para isso, tenhamos que estar muito próximos das tragédias e do desespero das pessoas.
A propósito, o corpo do Ricardo foi liberado para a família e encaminhado a São Paulo. O instrutor é de São Carlos-SP e chegou em Juiz de Fora uma semana antes do acidente. Já o corpo do Gildânio permaneceu no IML, Instituto Médico Legal, da cidade. Como o aluno de pilotagem era de Cabo Verde, na África, os trâmites diplomáticos são necessários para a liberação e envio do corpo à terra natal. Gildânio já era piloto privado e fazia o curso para se tornar piloto comercial.