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JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, Brazil
Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Protesto contra dengue em Juiz de Fora

Por Michele Pacheco

Hoje, nossas duas pautas foram sobre dengue.
A primeira foi uma reunião convocada pelas secretarias municipais de Saúde, Atividades Urbanas e Educação.
O objetivo foi anunciar a união de forças contra a dengue.
Servidores municipais e lideranças comunitárias lotaram o teatro do Pró-música.

As autoridades passaram dados sobre a doença, que atinge um recorde histórico na cidade.
Já são 2154 notificações e 1296 confirmações.
Segundo a secretária de Saúde, Maria Ruth, Juiz de Fora vive uma epidemia leve.
Mas, antes que a situação fuja de vez ao controle, várias estratégias vão ser usadas.

Uma delas é a punição de quem não colabora com as ações preventivas.
Donos de terrenos que tenham focos de dengue podem ser multados.
Uma discussão na reunião foi quanto aos lotes e terrenos fechados ou abandonados.
Com a dificuldade para se localizar os donos, fica difícil saber a quem enviar a multa.

Saímos da reunião e fomos avisados por um amigo da polícia militar, que está sempre bem informado, de que havia um protesto de moradores contra a dengue no Jardim Esperança, zona sudeste da cidade.
Esse policial é um exemplo de profissional que está sempre atento a tudo o que ocorre ao redor dele, em todas as companhias.
Sujeito operacional e ágil para lidar com os casos que pega.
Só não cito o nome dele aqui, para não criar problemas para ele.

Bem, voltando à informação, fomos correndo para o local.
De longe, dava para ver a coluna alta de fumaça preta, indicando o ponto onde pneus estavam em chamas.
Os moradores fizeram uma barricada na principal rua do bairro, no trevo com a BR 267, e colocaram fogo.
Acho que nem eles imaginavam que a situação fosse ficar tão complicada.
A fumaça preta se espalhou rápido e o calor era intenso.

Policiais Militares da 135a Companhia estavam à postos, de forma pacífica, acompanhando o desenrolar do protesto.
Os moradores reclamaram que há muitos casos de dengue no bairro e que não estão sendo bem atendidos no posto de saúde.
Os pacientes com sintomas da dengue têm que ir a outros postos para receber atendimento, o que piora a situação deles.
Entre os manifestantes, encontramos dezenas de casos de pessoas que estão com a família inteira doente.

Os líderes da manifestação estavam muito revoltados com o que chamaram de descaso da prefeitura com o Jardim Esperança.
Eles mostraram vários pontos onde há lixo e entulho acumulados.
Reconheceram que falta cuidado por parte de alguns vizinhos e reclamaram que o poder público demora muito para atender aos apelos por capina e limpeza.
Em meio à fumaça sufocante, eles gritavam pedindo outro tipo de fumaça, a dos carros fumacê.

Quem vê uma matéria dessas no ar, só enxerga o lado jornalístico dela, as imagens fortes dos pneus queimando, a revolta dos moradores...
Mas, esse é o tipo de trabalho que os jornalistas suam para fazer. Literalmente!
O Robson precisou ficar o tempo todo perto do fogo, flagrando os moradores alimentando as chamas, o risco das labaredas se espalharem pela vegetação próxima e de alguém se queimar em meio à confusão.

No início, a adrenalina típica das matérias factuais toma conta da gente.
Não dá tempo de pensar que vamos ficar parecendo dois pernis defumados: vermelhos e cheirando a queimado.
Aos poucos, os olhos começam a lacrimejar, a bochecha exibe uma cor estranha, mistura de vermelho do calor e preto da fuligem.
Como boa flamenguista, não tenho nada contra rubro-negro!
Mas, como repórter tenho alguns problemas.
Haja pó compacto para disfarçar as manchas.
Escova, então?
Só com muita paciência.
O vento joga o cabelo para todo lado e a fumaça gruda nele como chiclete.

Resultado: nada da elegância e do glamour que tanta gente acha que cerca a vida dos repórteres. Por dentro do blazer, a gente sua em bicas perto do fogo.
A roupa limpinha ganha um odor de fazer inveja a qualquer churrasqueiro.
E o cheiro de pneu queimando é horrível.
Parece que fica impregnado no nariz da gente por vários dias.

Outro tipo de matéria que acaba com qualquer tentativa dos repórteres parecerem apresentáveis é a de demolição.
Na semana passada, acompanhamos o trabalho de funcionários da Secretaria de Obras e da Defesa Civil.
Eles se preparavam para demolir dois prédios, um de dois e outro de quatro andares, e duas casas no bairro São Sebastião.
Os prédios já abrigaram projetos sociais e esportivos e estavam abandonados há sete anos.
As casas foram condenadas no início do ano, depois do desabamento no Reveillon que matou três pessoas na rua de baixo, no bairro Cesário Alvim.

Bem, todo mundo a postos e nós também.
O Robson escolheu os melhores ângulos e se preparou para registrar as demolições.
Eu peguei nossa máquina fotográfica e fui garantir fotos para o blog.
Mais uma vez, a adrenalina é uma armadilha.
A gente se empolga vendo o operador da escavadeira arrancando paredes e lajes e nem percebe onde se meteu.
Quando os escombros batem no chão, a nuvem de poeira engole tudo em volta.
Incluindo os jornalistas bem posicionados perto do fato.

Nem preciso dizer que foi o nosso caso.
Esperto, o Robson ficou numa posição que garantia menos poeira.
Mesmo asssim, depois de fazer as imagens, ele me olhou e notei que parecia um urso panda: todo o rosto estava amarelado de pó, exceto uma roda em torno do olho direito, que fica escondido no view finder da câmera.
Eu, empolgada com as imagens e lutando com o foco, só tinha olhos para os prédios sendo demolidos.
Uma meia hora depois, eu já não tinha olhos para mais nada.
Uso lentes de contato e elas adquiriram uma tonalidade leitosa, entre o amarelo e o marrom.
Até para piscar estava difícil, com tanta poeira agarrada nas lentes.

Ventava muito naquele dia e eu lutava para tentar manter os cabelos na cabeça.
Eles pareciam querer levantar vôo.
Agora, imagine você, com cabelos abaixo do ombro, numa dança frenética estilo Medusa, com poeira vindo de todo canto e com uma escovinha linda e portátil que cabe na palma da mão.
A pobrezinha ainda estava presa no primeiro punhado de cabelos, quando o Robson veio todo animado perguntando se eu queria gravar teaser.
Claro, por que não?
Com os cabelos quase domados (e olhe que eles são lisos!), a pele coçando de poeira e os olhos arranhando como se tivessem areia, me posicionei e gravei.

Depois, voltei para a nobre função de fotógrafa.
Notei que o Robson tinha mudado de lugar e estava no alto da rua.
Bem que tentou me avisar, disse que era melhor tirar foto lá de cima, mas...
Na hora, pensei que ele iria perder o melhor ângulo e não arredei o pé de onde estava.
Máquina ligada, dedo no gatilho, pronta para disparar e registrar o prédio maior caindo.
A escavadeira foi levada para perto das pilatras e foi quebrando com cuidado uma a uma.

Depois de uns dez minutos, um estrondo indicou que a laje do quarto andar tinha ido parar no terceiro.
Aí, entendi a mudança do Robson.
O deslocamento de ar jogou uma nuvem densa de poeira em cima de mim.
Quando parei de tossir e espirrar, notei que nossa pobre maquininha parecia ter saído de alguma escavação arqueológica.
E como uma relíquia recém desenterrada!

Depois do material gravado, voltamos para a TV.
Eu, com os cabelos meio ruivos, meio loiros de pó, com o blazer todo desenhado pela poeira e chorando sem querer por conta das lentes arenosas.
Mas, no ar o resultado valeu a pena.