Passamos a tarde em Barbacena, acompanhando as celebrações de encerramento da etapa brasileira do processo de beatificação de Isabel Cristina Mrad Campos.
Foi na Igreja Matriz da cidade, no Santuário de Nossa Senhora da Piedade.
Havia tantas pessoas que muitos fiéis tiveram que acompanhar a celebração do lado de fora da igreja.
Os responsáveis pelo cerimonial calcularam em torno de duas mil pessoas reunidas lá para rezar pela jovem que é considerada Serva de Deus desde 2001.
A história é muito triste.
Em 1 de setembro de 1982, ela estava no apartamento onde vivia, na rua Barbosa Lima, centro da cidade, quando um homem entrou.
Ele tentou estuprar a estudante, mas ela reagiu.
Acabou agredida com uma cadeira, amordaçada e esfaqueada 15 vezes.
Segundo a igreja, a jovem morreu, mas manteve a virgindade e a pureza.
Os religiosos lembraram na época que o caso parecia um martírio e que a fé da jovem sempre tinha sido observada por todos que conviviam com ela.
O crime cruel e brutal chocou a sociedade na época e ganhou destaque na imprensa.
Ainda hoje, há relatos sobre o "Crime da Barbosa Lima".
Ele chegou a ser preso.
Foi condenado a 19 anos de prisão, cumpriu 6, tentou fugir, foi recapturado e enviado para a penitenciária de Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Fugiu de lá e nunca mais foi encontrado.
O processo foi instalado e ela recebeu do Vaticano o título de Serva de Deus.
Oito anos depois, a etapa brasileira das investigações foi concluída.
A missa foi celebrada diante de uma urna com os restos mortais da jovem mineira, exumados na semana passada.
A fé reuniu católicos de várias cidades da região.
Um passo para cá, outro para lá, um empurrãozinho aqui, um pedido de desculpas ali.
E cada um tentava chegar o mais perto possível da urna.
Esse tipo de cobertura jornalística é o pesadelo de qualquer repórter e cinegrafista, independentemente da fé que tenha.
Você já vai sabendo que vai ter os pés pisados, as costelas cutucadas, vai ouvir reclamação por estar na frente de quem nem consegue se mexer, mas quer ver tudo...
E o sufoco foi grande!
Mas, aí vieram as reclamações.
"Podem chegar para o canto para os padres passarem?", "aqui vocês vão atrapalhar a visão de quem está sentado!", "aí vocês estão impedindo que os padres vejam o povo"...
E lá ia o grupo compactado de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas de um lado para o outro.
Esperei os celebrantes e os convidados ocuparem os lugares deles no altar, desci e gravei minha passagem (momento em que o repórter aparece no vídeo) perto da urna.
Depois, avisei ao Robson que eu ia me misturar à multidão, em busca de um lugar onde conseguisse manter os dois pés no chão ao mesmo tempo.
Doce ilusão! Em baixo estava ainda mais apertado.
Depois de acompanhar o Robson ao alto da igreja, para fazer imagens diferentes da multidão, eu me perdi dele.
Cansada de ser espremida, tive a brilhante idéia de dar a volta pela sacristia e entrar por trás do altar, num espaço que parecia pouco ocupado.
Teria dado certo, se outras dezenas de pessoas não tivessem tido a mesma idéia.
Enfrentei a fila na sacristia.
Aí, lembrei que o Robson não tinha me seguido.
Olhei para baixo e vi uma câmera "flutuando" em meio a multidão.
Ia para um lado, tombava para o outro, era arrastada junto com um grupo em movimento, até chegar ao altar.
Foi então que reconheci meu marido.
Ele estava suado e vermelho depois do esforço de manter a câmera pesada no alto da cabeça para não machucar ninguém.
Quando viu um pedacinho da escada do altar livre, ele sentou como se tivesse acabado de achar um canto do paraíso.
Eu bem que tentei mostrar onde estava.
Levantei o microfone até a altura do ombro, que foi o máximo que consegui com os braços entalados entre o altar e umas três pessoas, mas nada.
O jeito foi mandar mensagem pelo celular.
Essa foto mostra bem o ângulo de visão que eu tinha de trás do altar.
Enfiando o celular entre um galho de trigo e uma haste de samambaia dos arranjos do altar, consegui registrar um pouco da missa.
Ah, e antes que me critiquem pelo desrespeito, eu tinha outros quinze acompanhantes numa escadinha de madeira atrás do altar.
Eram padres, fiéis e funcionários da igreja dispostos a registrar o momento histórico.
Enquanto eu acompanhava a missa e ia tirando minhas fotos, comecei a pensar no que ia acontecer se a nossa escada-arquibancada caísse com aquele peso todo.
Já podia até me ver estatelada no meio do altar.
Tratei de arrumar um local mais seguro, no vão da porta, espremidinha entre uma mesa e a passagem.
E, olha que ele estava cercado por outros cinegrafistas e com a câmera na cabeça!
Era um mar de gente.
Ouvi o comentário de um padre satisfeito por ver a igreja tão cheia e lamentando que isso não ocorra sempre.
Realmente, a cena era bonita de ver!
Acabada a missa, os celebrantes trocaram os trajes e deram início ao cerimonial de encerramento da fase brasileira do processo de beatificação.
Mais uma vez, a imprensa teve que deixar o altar e se espremer para acompanhar tudo no meio da multidão.
O Robson e o Gilberto, da TVE Juiz de Fora, se viraram com a câmera na cabeça para driblar os curiosos que entravam toda hora na frente deles.
Fitas vermelhas foram passadas em forma de cruz e o Arcebispo de Mariana, Dom Geraldo Rocha, usou cera e um selo de metal para marcar os lacres.
Antes disso, ele já tinha abençoado a caixa com os ossos, que vai ficar na capela do Santuário de Nossa Senhora da Piedade até o fim do processo.
Todos os documentos recolhidos em oito anos de investigação da igreja católica sobre a história e as graças obtidas por intercessão da jovem mineira foram reunidos e colocados numa caixa de madeira.
Ela também foi lacrada e entregue aos representantes do Vaticano.
O juiz do processo, padre Roberto Natali, disse que entre os documentos estão relatos de pessoas que dizem ter conseguido graças ao orar a Isabel Cristina, cartas da jovem e depoimentos sobre a vida de pureza e devoção que ela teve.
O padre lembrou que o processo pode demorar até 15 anos para ser concluído.
Entre as pessoas que afirmam ter conseguido milagres por meio da Isabel Cristina está a Dirlene Belo.
Ela estava na igreja e contou que passava sempre pelo cemitério de Barbacena e rezava no túmulo da estudante que morreu de forma trágica.
Um dia, Dirlene chorou e pediu ajuda para conseguir um emprego para a filha, que passava dificuldades.
A dona de casa conta que foi atendida e, desde então, teve ainda mais fé na beatitude da jovem.
Depois de quase três horas de trabalho no meio da multidão, de pés doloridos e pisoteados, pudemos voltar a Juiz de Fora com o material.
Para trás, deixamos uma fila de católicos ansiosos para tocar a urna com os restos mortais.
Alguns beijavam a caixa, outros rezavam, pediam graças, choravam de emoção.
Se Isabel Cristina vai ser considerada beata ou não, não sei.
Mas, que ela movimentou a Igreja Católica nas últimas semanas, não há dúvida.
Os pais da jovem acompanharam tudo.
A mãe dela não quis gravar entrevista, alegando que não estava bem de saúde e não conseguiria falar.
O pai disse que esse reconhecimento por parte da igreja ajuda a diminuir um pouco a dor da perda.
A família sempre soube que Isabel Cristina era especial.
Agora, todos aguardam ansiosos o resultado do processo.