Texto de Herton Escobar, Boston
Crianças criadas em condições de pobreza têm mais dificuldade para aprender, não só por questões socioeconômicas, mas também biológicas.
Pesquisas realizadas nos últimos anos comprovam que a pobreza tem impacto direto no desenvolvimento do cérebro, justamente no período mais crítico da infância, deixando seqüelas neurológicas que diminuem a capacidade de aprendizado.
Pelo que estão descobrindo os neurobiólogos, o fraco desempenho dos alunos da rede pública tem raízes que vão muito além do que acontece na sala de aula.
Os resultados dessa relação entre pobreza e aprendizado já são conhecidos dos educadores, mas os cientistas ainda estão longe de explicar como isso ocorre biologicamente.
Uma explicação simples seria dizer que crianças pobres freqüentam escolas piores, têm menos acesso a informação e cultura, portanto é natural que aprendam menos do que as outras, mais privilegiadas.
Nesse caso, é fácil jogar a culpa nos professores ou na falta de dedicação dos próprios alunos. Mas, segundo os cientistas, é preciso considerar que esses alunos já entram no sistema em desvantagem, por mais dedicados que sejam.
CIRCUITOS MAL LIGADOS
A capacidade do ser humano de memorizar, lembrar e aprender novas informações depende de uma constante reconfiguração de sinapses - as ligações entre um neurônio e outro, por meio das quais são transmitidas e armazenadas as informações no cérebro.
A maior parte dos neurônios é formada no útero, durante o desenvolvimento embrionário e fetal, mas a planta básica de conectividade dessas células só é estabelecida nos primeiros anos de vida, na medida em que a criança aprende a falar e raciocinar.
Numa situação de pobreza, em que há menos estímulos, piores condições de saúde, má nutrição, maior exposição a substâncias tóxicas, abuso e outras dificuldades domésticas, esse desenvolvimento primordial do cérebro pode ser prejudicado.
“Uma vez que os circuitos são fechados, não dá para voltar atrás e reconfigurar o sistema.
A criança vai viver com os circuitos defeituosos para sempre”, diz o pesquisador Jack Shonkoff, diretor-fundador do Centro sobre Desenvolvimento Infantil de Harvard.
O assunto foi tema de um simpósio da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) na semana passada, em Boston. “Não há dúvida de que ser pobre é ruim para o cérebro”, disse a organizadora do debate, Martha Farah, da Universidade da Pensilvânia.
Estudos mostram, por exemplo, que crianças de três anos de idade, cujos pais têm diploma universitário, têm um vocabulário três vezes maior do aquelas cujos pais não completaram o ensino básico.
“Com dois anos você já pode notar a diferença”, disse Shonkoff.
As seqüelas da pobreza no desenvolvimento cerebral são profundas, mas não totalmente irreversíveis.
Estudos com animais mostram que o cérebro tem “plasticidade” suficiente para se recuperar, se os estímulos positivos para que isso ocorra forem também suficientes.
No caso dos seres humanos, esses estímulos podem variar desde um programa de leitura até a oportunidade de estudar numa boa escola.