Por Michele PachecoA situação dos moradores de Barroso, no Campo das Vertentes

, é complicada.
A cidade mineira tem pouco mais de 20 mil habitantes.
Nas eleições municipais deste ano, três candidatos disputaram os votos dos 15831 eleitores.
O povo saiu de casa no domingo, cumpriu o dever cívico e esperou ansioso o resultado.
Foi aí que veio a bomba!
A candidata do PP, Eika Oka de Melo, foi a mais votada, conseguindo 6491 votos.
O problema é que ela ganhou, mas não levou.
Segundo o Tribunal Regional Eleitoral, o atual prefeito, Arnaud Baldonero Napoleão, foi reeleito

com 5792 votos.
O percentual da outra candidata não foi computado para ela, sendo incluído nos votos nulos.
O motivo?
A candidatura da Eika foi impugnada logo no início do período eleitoral.
Ela foi prefeita de 2001 a 2004, mas o Tribunal de Contas de

Minas Gerais rejeitou a prestação de contas desse mandato e a Câmara Municipal de Barroso acatou a rejeição.
Eika recorreu ao TRE, em Belo Horizonte, e perdeu.
Os advogados aconselharam recurso no Tribunal Superior Eleitoral.
Enquanto o processo corre no TSE, ela teve o direito de disputar a eleição.
O problema é que para o TRE continua valendo a impugnação e os votos da candidata foram

considerados nulos.
Fomos à cidade cobrir o assunto e conversamos com os dois candidatos.
Arnaud alega que o impasse político é prejudicial ao município, uma vez que está criando tensão e aumentando inimizades.
Eika alega que as contas dela não foram aprovadas porque uma assessora usou códigos errados ao lançar despesas com a saúde e isso foi apontado como irregularidade.
Ela diz que não teria disputado a eleição se não houvesse uma forma legal de ser candidata.
A juíza Valéria Possa Dornellas confirmou que os votos não foram computados para a candidata

do PP por conta da pendência das contas rejeitadas.
Ela explica que a lei permite que candidatos nessa situação disputem eleições, desde que estejam aguardando julgamento no TSE. Foi o que aconteceu em Ijuí-RS e em Recife-PE.
Não há previsão para que o recurso seja julgado.
O mais difícil numa reportagem com essa é agradar a todos.
A gente chegou à cidade e logo virou atração.

O povo correu para a praça em frente ao Palácio dos Três Poderes e ficou vigiando cada movimento nosso.
Pela pauta, deveríamos ir primeiro à prefeitura entrevistar o prefeito, em seguida ir à casa da Eika e, por fim, à juíza.
Não fomos nós, da TV, que escolhemos os horários e sim os entrevistados.
Mas, vá explicar

isso aos cabos eleitorais de plantão!
Duas pessoas vieram de cara amarrada perguntar se a gente só ia mostrar o lado do prefeito. Como era cedo e nossa paciência ainda estava em dia, respondi educadamente que ouviríamos todos os lados. Gravamos com o prefeito e fomos para a casa da candidata do PP.
No caminho, pedimos informação

sobre o endereço e ouvimos mais comentários.
Dessa vez, queriam saber se nós não gostaríamos de falar primeiro com o prefeito.
Mais uma resposta educada!
A situação foi se repetindo a cada passo.
Como disse o Robson, parecia que estávamos numa jaula, pois todo mundo parava para nos olhar, apontando e comentando.
No início da tarde, paramos mais uma vez na praça para esperar a

chegada da juíza. Os grupinhos entraram em ação. Com o nível de paciência chegando num ponto perigoso, muito próximo de uma explosão temperamental, arreganhei os dentes tentando fazer o rosnado parecer um sorriso e expliquei pela enésima vez que não estávamos lá para tomar partido de ninguém, apenas para mostrar os fatos.
Acabamos de gravar com a juíza e fomos fazer entrevistas com

moradores. Demos sorte.
A primeira foi neutra, disse que não entendia nada do que estava acontecendo.
A segunda entrevista foi com um partidário da Eika, que estava furioso alegando que o voto do povo estava sendo desrespeitado. Por fim, ouvimos um partidário do Arnaud que disse que a candidata tinha sido irresponsável ao disputar uma eleição sabendo que estava impugnada e que isso ainda pode acabar em morte por lá.
Satisfeitos com as entrevistas, fomos fazer os teasers para o jornal. Advinhem?!
Fomos seguidos de perto por vários grupos. Eu lá, plantada no meio da praça, parecendo uma

linha divisória entre exércitos prestes a entrar em conflito. Ainda bem que consigo me concentrar em locais agitados. Mas, a gravação estava uma coisa de doido! Lá ia eu no texto “os moradores de Barroso estão confusos...” e de repente alguém completava por perto “tem que falar que a culpa é da candidata. Ela está errada’, eu seguia com o texto “a candidata ganhou, mas não levou.
Ela tem uma pendência...” e alguém gentilmente acrescentava “

Ué, a Eika não foi eleita, não? Mas, ela foi a mais votada”.
Com tantos repórteres no mesmo lugar, custamos para terminar o trabalho.
Quando acabamos, o suspiro de alívio foi brutalmente cortado por um morador mais afoito que chegou perto e disparou “você tem que gravar com aquele pessoal lá. Eles querem falar a verdade sobre essa sujeira que fizeram com a Eika”. Lembra do meu nível de paciência? Estava apitando ensurdecedoramente no vermelho. Mesmo assim, juntei o que sobrou da boa educação que meus pais me deram e respondi que já tinha encerrado as entrevistas com um neutro, um partidário do prefeito e um partidário da Eika.
Faltavam poucos passos para chegar ao carro. Comecei a me sentir numa corrida de obstáculos.

Os grupos se reuniam em pontos estratégicos. Era impossível chegar ao carro sem contratempos. Olhei para o Robson e ele estava meio esverdeado. O pobrezinho passou mal a noite toda e não estava legal. Imaginem, que ele não tinha forças nem para xingar os mais grosseiros! Como uma boa esposa, fui na frente atraindo a atenção, enquanto ele passava despercebido. Não deu outra! Fui parada por mais um simpático aglomerado de moradores. “Se você gravou com o pessoal da Eika tem que gravar com a gente também! Não está certo eles ficarem reclamando agora. Lei é lei” falou alguém muito seguro da própria opinião.
Numa hora dessas, passa tudo pela cabeça de um repórter. Coitado do sujeito, ele está

defendendo a opinião dele! É brincadeira eu tentar fazer meu trabalho com o máximo de isenção e seriedade e ter que agüentar isso! Será que essa gente não tem o que fazer em casa ou no trabalho?! Será que hoje é feriado municipal para infernizar equipes de reportagem tentando trabalhar?! Mas, no meio de tudo prevaleceu a boa educação e expliquei de novo que já tinha concluído as entrevistas e não iria tomar partido de ninguém.
O mais irônico nisso tudo é que, ao ser isento e profissional, o jornalista nunca consegue agradar a todos.
Prova disso são os e-mails que estou recebendo, criticando o "desrespeito que meu texto mostra com o povo trabalhador de Barroso".
Primeiro, adoro a cidade e já fiz muitas matérias boas por lá.
Segundo, tenho o maior respeito pelo povo trabalhador que, com certeza, não tem tempo para ficar à toa na praça vigiando a vida dos outros.
Curiosidade é algo muito natural e saudável e ocorre não só nas cidades pequenas, mas nas grandes também.
Não é preconceito, só que o que vimos em Barroso foi até engraçado. Algumas pessoas estavam dispostas a vigiar os passos de uma equipe de reportagem para garantir que os repórteres falassem o que elas queriam.
Um homem que não citei no texto, nos parou na praça defendendo a candidata e, não satisfeito, nos seguiu até a casa da Eika pra ter certeza de que íamos lá.
E a política está sendo usada como desculpa para acirrar picuinhas antigas entre alguns moradores. O mais curioso, é que os candidatos, que tinham tudo para tentar influenciar a equipe, se limitaram a contar suas versões do fato.