Por Michele Pacheco
Sempre fui sensível a matérias que envolvem crianças.
Agora que estou grávida, a situação é pior.
Nesse fim de semana, estávamos fazendo uma matéria no centro de Juiz de Fora e paramos o carro atrás do Cine Teatro Central.
Quando voltamos da entrevista, eu e o Robson reconhecemos uma menina que foi flagrada por ele vendendo bala debaixo de chuva no Natal.
Adivinhem o que ela estava fazendo?!
Quatro mulheres estavam sentadas na sombra, atrás do teatro, rindo e se divertindo.
Quando nos aproximamos do carro, elas tinham acabado de receber dinheiro de um grupo de 10 crianças e estavam repondo balas e chicletes nas caixas que meninos e meninas vendiam debaixo de um sol de mais de 30 graus.
O Robson resolveu registrar mais uma vez o flagrante.
Ao ver que estavam sendo gravadas,
duas mulheres foram saindo de perto.
Outras duas ficaram para trás xingando e fazendo gestos obscenos.
Fiquei de longe vendo o barraco no meio da rua.
Uma loira era a mais agressiva.
Surpreendentemente,
ela é a mesma mulher que o Robson flagrou no Natal, fazendo lanche numa galeria enquanto recebia o lucro do trabalho infantil.
Duas meninas molhadas de chuva iam de um lado para o outro vendendo balas e davam o dinheiro para a dita cuja escorada na galeria.
Dessa vez, não aguentei ficar só vendo.
Peguei o microfone e fui até as duas adultas perguntar o que levava uma pessoa a explorar o trabalho de uma criança.
A loira desbocada desfiou mais um rosário de palavrões de fazer inveja ao mais aguerrido integrante de torcida organizada e foi saindo.
Perguntei por que ela colocava as crianças para trabalhar e pedir esmolas debaixo do sol forte.
Ela respondeu que não tinha nada para falar sobre isso.
Perguntei se ela achava justo e, pasmem, ela ficou quieta.
Fui até a outra mulher e perguntei a mesma coisa.
Ela ficou agressiva e perguntou se eu arranjaria um emprego para ela.
Perguntei se o desemprego dela justificava colocar as crianças para trabalhar num calor daqueles.
Ela perguntou gritando se caso elas não trabalhassem eu iria sustentá-las.
Eu quis saber se ela já tinha pedido ajuda a alguma autoridade e a resposta foi que já, mas que ninguém fez nada.
Por fim, a mulher se justificou dizendo que para criticar tem muita gente, mas para ajudar são poucos.
Não deixa de ser verdade.
Mas, não justifica explorar o trabalho infantil.
Quando eu voltava para o carro, a loira me parou no caminho e mandou que eu cuidasse da minha vida em vez de ficar atrapalhando a delas.
Aí, não deu para aguentar.
Pensei que podia ser a minha filha caindo nas mãos daquelas mulheres.
Odeio barraco, mas não resisti a discutir com ela.
Resumindo, perguntei por que então ela não trabalhava em vez de passar o dia sentada na sombra, às gargalhadas, explorando crianças.
Nem preciso dizer que a resposta veio em forma de guinchos estridentes e furiosos.
As duas deixaram o local iradas.
Na esquina, as crianças quase foram atropeladas.
Vários comerciantes e pedestres que acompanharam toda a cena me pararam para contar que a presença do grupo é frequente nas ruas do centro.
As crianças passam horas vendendo balas e mendigando enquanto as adultas vigiam de longe.
Alguns foram mais longe e contaram casos em que os meninos e as meninas entram nas lojas para oferecer os produtos e acabam furtando algum objeto do comércio ou dos consumidores.
Até os catadores de papel têm sido vítima deles.
Aí, eu me pergunto.
Cadê as autoridades?
Na primeira denúncia, em dezembro, o Jornal da Alterosa ouviu o Conselho Tutelar.
Os conselheiros receberam uma cópia das imagens e se comprometeram em investigar o caso e cobrar providências.
Lembrem que na época eram duas mulheres com três crianças.
Agora, são quatro mulheres com 10 crianças.
No ritmo em que as soluções estão sendo procuradas, muito em breve o grupo vai ser ainda maior.
Será que esses menores de 14 anos estão indo à escola e tendo cumpridos os direitos garantidos pelo ECA?
Será que sobra tempo para isso?
Sei que a questão é social e que muitas pessoas estão desempregadas.
Mas, não acho que isso seja razão para explorar uma criança.
Se falta emprego, acho que o trabalho só depende da boa vontade de quem precisa.
Afinal, se todo catador de papel pensasse como essas duas mulheres,
eles não estariam enfrentando sol e chuva para revirar lixo em busca de sustento.
E os vendedores ambulantes?
Quantas pessoas ganham um troco vendendo doces e outras coisas nos sinais.
Por que aquelas quatro não tentaram esse caminho?
O Jornal da Alterosa exibiu hoje a reportagem e voltou ao Conselho Tutelar.
O responsável explicou que o caso foi apurado e um pedido foi enviado ao Ministério Público para que tome as providências necessárias.
Quanto às responsabilidades do Conselho, a explicação foi que o poder de atuação dele vai só até certo ponto e que agora as providências dependem do MP.
Agora, só falta ouvir a Juiza da Infância e da Juventude.
A TV Alterosa passou o dia tentando, mas não conseguiu ser recebida até agora.
Tomara que amanhã seja outra história.
Pelo bem daquelas crianças.