Por Michele Pacheco
No último ano, fizemos uma grande quantidade de matérias sobre o consumo sem controle do crack e o quanto essa droga desestrutura as relações familiares.
Em geral, somos procurados por pais e amigos de dependentes que já não sabem o que fazer para afastar as pessoas queridas do vício.
Os depoimentos são chocantes e emocionantes.
Tem gente que apela e passa a amarrar, acorrentar e trancafiar o dependente em casa, para evitar que ele pratique crimes para conseguir dinheiro e comprar mais droga.
(Texto 626 - Crack a droga da morte)
Numa série de reportagens que fizemos em 2009, aprendemos muito sobre o efeito nocivo do crack no organismo.
Basta usar duas vezes para que a pessoa se vicie.
O efeito dura em média cinco minutos.
Isso, porque o crack tem substâncias que agem diretamente nas células nervosas, ocupando parte da estrutura celular e agindo no cérebro.
Sabendo de tudo isso, fica mais fácil entender porque os dependentes são tão resistentes em abandonar o vício.
Por ser uma dependência química, ela é mais difícil de ser abandonada e exige um tratamento rigoroso e muita força de vontade.
Como a que teve um jovem de 19 anos que procurou a mim e ao Robson na TV Alterosa na semana passada.
Eu estava gravando uma entrevista e pediram que ele me aguardasse uns minutos.
Quando comecei a conversar com ele, notei que o jovem estava com as mãos muito frias, suava muito e parecia nervoso.
Ele me contou indignado que estava tentando ajuda para se internar numa clínica, mas não estava conseguindo.
Foi duas vezes a médicos do SUS e eles o encaminharam ao CAPS Álcool e Drogas.
Esse é o procedimento correto, mas não servia para ele.
"Eu sei que não vou me recuperar se ficar na rua, eu já tentei e não resisto ao crack" repetia o rapaz o tempo todo.
Não era neurose ou histeria, não.
Ele tinha motivos de sobra para ter essa certeza.
Desde que a mãe morreu, há 5 anos, ele passou a viver na rua, sem qualquer condição de se sentir um cidadão, e conheceu o crack.
A droga se tornou uma companheira inseparável.
Nos últimos meses, ele dormia nos fundos da Catedral Metropolitana, passando despercebido a fiéis e pedestres que andavam pela rua Santo Antônio.
O desespero do vício o levou a praticar pequenos furtos em lojas e mercados.
Ele roubava qualquer coisa para trocar por droga.
Para ajudar o rapaz, acabei de conversar com ele e liguei para o vereador Noraldino Júnior, presidente da Comissão Parlamentar de Combate e Prevenção às Drogas, da Câmara Municipal de Juiz de Fora.
Ele explicou que estava numa audiência complicada e pediu que fossemos com o rapaz até a Câmara na manhã seguinte.
Assim que ouviu a história, o vereador acionou uma rede de voluntários que se prontificou a ajudar.
Em poucos minutos, o Danilo, ex-jogador de futebol que faz um trabalho social com jovens, conseguiu uma vaga numa clínica longe de Juiz de Fora.
O problema era que o jovem não tinha dinheiro para pagar o tratamento e a internação, com custo de um salário mínimo por mês.
O obstáculo foi removido pelo presidente da Comissão, que assumiu os gastos.
Quando tudo parecia resolvido, veio mais uma surpresa.
O jovem precisava de documentos para viajar e só tinha uma certidão de nascimento velha e toda rasgada.
A equipe que decidiu ajudá-lo providenciou a papelada para retirar a carteira de identidade.
Ao ter que preencher os documentos, o rapaz revelou envergonhado que não sabia ler nem escrever.
Com ajuda do irmão, ele preencheu os papéis e foi embora, ansioso pelo dia seguinte, quando daria um passo importante rumo a um futuro melhor.
Falando no irmão, é importante contar que o rapaz tem um irmão mais velho do que ele e uma irmã de 17 anos.
Ele mantinha pouco contato com os dois, porque evitava ir às casas deles.
O motivo era a fissura que tinha quando não estava drogado e que o levava a roubar qualquer coisa que estivesse à mão para vender.
Achei incrível que, mesmo sob o domínio da droga, ele tenha conseguido manter uma dose de lucidez e o desejo de preservar quem ele ama.
Ao saber que o jovem estava disposto a largar a droga, o irmão dele deu apoio e levou o rapaz para dormir na casa dele até a hora do embarque.
No dia da partida, encontramos o rapaz com um sorriso enorme e os olhos brilhando.
Ele estava havia quase 48 horas sem crack, um recorde nesses cinco anos de vício.
Os efeitos eram evidentes nas mãos geladas e na ansiedade.
Mesmo assim, ele deu um exemplo de coragem contra o crack e seguiu em frente na determinação de mudar de vida.
Hoje, recebemos notícias de que o jovem está bem, passou por uma série de exames médicos e já começou o tratamento de desintoxicação.
Agora, é esperar os seis meses de internação acabarem para lutar por um curso profissionalizante e um emprego para ele.