Hoje, acordamos às duas da madrugada e seguimos para o ponto de encontro com o pessoal do MST.
Pela primeira vez aqui na região, eles autorizaram uma equipe de reportagem a acompanhar uma ocupação desde o início.
O mérito é todo da Editora Responsável pela TV Alterosa Zona da Mata e Vertentes, Elisângela Baptista.
Ela recebeu a informação de uma fonte e investiu na negociação.
Depois de muitos telefonemas, veio a autorização.
Como estávamos no turno da manhã nessa quinta-feira, o Evandro Medeiros e o Marco Fagundes escaparam de madrugar.
Apesar da dificuldade para largar a cama, a ida valeu a pena.
Encontramos o pessoal numa granja de Juiz de Fora, ponto de encontro do grupo para seguir viagem.
Eu confesso que tinha uma visão do Movimento dos Trabalhadores sem Terra pautada no que via na mídia de um modo geral.
Quando soube da pauta, claro que investi nela.
Mas, imaginava gente cortando cercas, derrubando porteiras, etc.
Foi bem diferente.
Logo que chegamos à fazenda Fortaleza da Santana, em Goiana, Zona da Mata Mineira, veio o primeiro indício de que a minha visão era equivocada.
O comboio era formado por seis carros, um ônibus e um caminhão.
Numa porteira com uma passagem tradicional no meio rural, conhecida como mata-burro, veio o impasse.
Os carros passaram tranquilamente, mas o ônibus era largo demais.
Pensei que eles fossem arrancar a cerca, mas eles abriram a porteira para o ca
minhão e liberaram o coletivo para voltar a Juiz de Fora.
Nenhum estrago foi feito.
Assim que chegaram ao local escolhido, o trabalho foi organizado e coletivo.
Todo mundo ajudou a descarregar o caminhão cheio de colchonetes, lonas, cercas de arame, alimentos e outros produtos essenciais para a ocupação.
Homens e mulheres puseram mãos à obra, cortaram bambus para montar as barracas, carregaram peso de um lado para o outro para agilizar a montagem do acampamento.
A bandeira do MST era carregada de um lado para o outro, enquanto os sindicalistas, estudantes e famílias de trabalhadores sem terra escolhiam o local ideal para instalá-la.
A primeira foi colocada no trecho da fazenda escolhido para montagem das barracas.
A segunda foi levada para a porteira, onde também foram instaladas faixas anunciando a presença do Movimento.
Uma cozinha e uma tenda para banheiro foram improvisadas nas sombras de árvores frondosas.
O MST prioriza a
estrutura do acampamento.
Durante os levantamentos feitos durante sete meses, eles levaram em conta a proximidade com água, eletricidade e outras necessidades das famílias que vão ocupar a fazenda.
A Fazenda Fortaleza da Santana tem uma área equivalente a 4.200 campos
de futebol.
Ela é muito antiga e
foi construída no período áureo do café.
Por lá passaram muitos escravos e sacas do “ouro verde”.
Hoje, ela está em processo de inventário e os herdeiros não têm dado muita atenção ao local.
Até onde a vista alcança, não há sinal de plantações.
A sede deve ter sido linda e imponente um dia.
Hoje, está caindo aos pedaços, com visível abandono.
A fachada com detalhes em madeira é primorosa.
Parece uma obra de arte.
Pena que tenha chegado a um ponto tão decadente.
E as terras também.
Conversamos com algumas das 20 famílias de colonos que vivem na fazenda.
Seu Joaquim ficou emocionado ao lembrar de como era o lugar na época de atividade.
Ele disse que sente os olhos úmidos ao ver tanta terra parada, sem nada plantado.
Na parede da casa, o ex-lavrador guarda com carinho uma foto da fazenda em todo o esplendor do passado.
Uma lembrança que prefere guardar em vez das imagens atuais.
Três horas depois do início da ocupação, a Polícia Militar chegou.
Os policiais foram infelizes na negociação que adotaram.
Eles não tinham argumentos e portavam ostensivamente as armas.
É claro que essa postura funciona em muitas ocasiões.
Mas, naquele momento não foi legal.
O grupo é formado por estudantes universitários, sindicalistas e famílias de trabalhadores sem terra.
Eles apelaram para um discurso sócio-filosófico e os pms ficaram enrolados.
Eles deixaram a fazenda.
Mas, quase duas horas depois chegou o reforço.
Os policiais da Companhia de Missões Especiais se reuniram na entrada da fazenda e escolheram uma comitiva para negociar com o MST.
Nesse momento, ficamos surpresos com a ordem de que a imprensa não deveria acompanhar a conversa.
Todo mundo ficou insatisfeito.
Segundo os policiais, a decisão foi para garantir a nossa segurança.
Depois da conversa, os policiais se posicionaram na MG 353 com todas as viaturas, um caminhão dos bombeiros e uma ambulância.
Até um helicóptero veio de Belo Horizonte para que os comandantes sobrevoassem a área ocupada. Conversamos com o Coronel Anselmo Fernandes e ele garantiu que a PM não tinha qualquer intenção de invadir a fazenda ou render os integrantes do MST.
Tanto, que no fim da tarde recolheu quase todo o contingente e deixou apenas uma equipe no local.
Também no fim da tarde, o advogado dos donos da fazenda esteve no acampamento para conversar com o pessoal.
Segundo o advogado do movimento, ele disse que não tinha intenção de entrar com nenhuma ordem judicial e que esperaria o contato do Incra para negociar a desapropriação da área.
O MST revelou que no Brasil existem 340 mil famílias assentadas.
Na Zona da Mata Mineira, esse é o terceiro acampamento montado.
Os outros dois ficam em Visconde do Rio Branco e Santana de Cataguases.
Em Goiana, 50 famílias vão montar barracos, à espera de decisão judicial.
5 comentários:
Creio estarmos em uma situação de difícil conclusão. Infelizmente, não sabemos quem ao certo está do lado do bem.
Seu texto nos mostra detalhadamente aos acontecimentos, porém eu acho que que a PM tem todo o direito de reforçar-se. Querendo ou não, não se conhecem as pessoas que estão no ocupando o local.
Infelizmente, no Brasil, trabalhadores precisam, ainda, conquistar espaço usando de força. Poderia ser tudo diferente.
Bela matéria. Valeu o sacrifício. Parabéns!
Reforço, bela matéria! E igualmente bela a atitude de vocês de largarem o preconceito tão imbutido pela mídia de lado e irem lá, conhecer a organização e o movimento do nosso povo em luta!
Parabéns para toda equipe pelo trabalho. Esperamos que o desenrolar destes fatos culmine na instalação de mais um assentamento e que o preceito constitucional do fim social da terra transforme o local em área de grande produção. Se chegarmos neste ponto, a dignidade e a esperança chegarão para a estas famílias que precisam mesmo é de oportunidade e um pedaço de chão para o próprio sustento e para geração de renda.
Para ciência de vocês a sede da fazenda pegou fogo há uns 7 anos. Se vocês não souberam disso foi porque não perguntaram se o que viram era a sede mesmo, e como dizer que a sede está abandonada? Como posso confiar na seriedade da reportagem se nem ao menos sabem das reais condições da fazenda?
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