Por Michele Pacheco
O direito de um começa onde termina o do outro.
Frase bonita, não é?
Só que na prática não passa de conversa fiada.
O melhor exemplo é o movimento dos rodoviários em Juiz de Fora.
Eles avisaram na semana passada que depois do carnaval fariam uma operação tartaruga.
Hoje, a população saiu mais cedo de casa sabendo que não poderia se arriscar a sair no horário de sempre, porque haveria atraso.
Mas, o sindicato não cumpriu com o que anunciou.
Em vez de operação tartaruga, eles fizeram foi paralisação.
Eles justificaram a ação, dizendo que um policial militar multou os motoristas e foi grosseiro com os manifestantes.
Os jornalistas que acompanhavam o movimento negaram que o sargento tenha sido rude com os rodoviários.
Alguns passageiros e profissionais da imprensa inclusive se ofereceram como testemunhas à favor do PM.
Vale lembrar que, se a multa foi mesmo aplicada, o policial apenas cumpriu com o papel dele: respeitar e cobrar o cumprimento das leis de trânsito.
Fazer greve é um direito garantido pela Constituição.
Mas, a liberdade de ir e vir, o acesso a transporte público e à saúde também são.
Hoje, com certeza, era um dia em que só deveria sair de casa não tivesse escolha.
Isso inclui quase toda a população juizforana.
As consultas médicas não podem ser remarcadas porque os rodoviários decidiram parar; muito menos os patrões vão aliviar para os empregados que chegarem atrasados ou não chegarem por falta de transporte.
E não é de agora.
Todo início de ano é a mesma lenga-lenga de negociação salarial, ameaças, intransigência de ambas as partes e prejuízos para a população.
[Desta vez, senti na pele o que venho noticiando há tanto tempo.
Eu precisava estar no centro às 10h para a última consulta médica antes da cesariana e não tenho tempo hábil para remarcar, pois a Olívia já está na posição de nascer e minha ginecologista me pediu repouso, para evitar entrar em trabalho de parto.
Às oito horas, comecei a me arrumar, viagiando pela janela o movimento na Rio Branco.
Quando não vi nenhum ônibus passando e os pontos cheios, logo percebi que os rodoviários estavam parados em algum trecho.
Comecei as 8h30 a ligar para todas as empresas de táxi e me deparei com outro problema crônico na cidade: o número insuficiente deles.
Só dava ocupado!
Quase uma hora depois, desisiti e me conformei de descer à pé do Alto dos Passos ao centro.
Pelo caminho, fiquei de olho em todo táxi que passava, mas não vi nenhum livre.
No ponto de ônibus em frente à Santa Casa de Misericórdia e ao Hospital de Pronto Socorro, dava pena olhar os passageiros parados.
Gente com membros engessados, idosos, pessoas com curativos, mães com bebês recém-nascidos no colo...
Todo mundo plantado sem opção para voltar para casa.
Infelizmente não existe um sindicato para defender os direitos dessas pessoas e colocá-los acima de qualquer interesse.
O Robson e a Flávia cobriram a paralisação e registraram passageiros tendo que descer no meio do caminho e correr para tentar chegar ao trabalho.
Quem reclamou foi vaiado pelos manifestantes.
Gente, isso é inaceitável!
Poderia ser a mãe ou um parente dos rodoviários precisando chegar a algum lugar com urgência.
Se não vêem outra opção senão radicalizar a negociação, é um direito deles.
Mas, manter o respeito pelo povo é mais do que uma obrigação, é uma questão de educação e justiça!
Esse senhor de 85 anos estava completamente desorientado.
Imagine ter uma idade avançada como ele, conviver com a realidade cruel de que o corpo já não é mais o mesmo, que as pernas já não têm mais a mesma vitalidade e não garantem mais a liberdade de se locomover como bem entender!
Quem é mais novo, desce no meio do caminho, pula canteiro e segue em frente às pressas.
Mas, e os idosos?
Ficam reféns, perdidos pelo caminho, com fome, sede e a sensação lamentável de impotência.
A paralisação e a operação tartaruga foram definidas pelo sindicato.
Eles divulgaram à imprensa que houve 100% de adesão na parte da manhã.
Situação óbvia, já que as principais vias do centro foram fechadas pelos manifestantes que pararam os coletivos na pista central da Avenida Rio Branco.
Ainda que alguém não concordasse com o movimento, não teria como trabalhar.
Até onde me consta, por lei, em caso de greve ou paralisações de serviços essenciais, é obrigatória a manutenção de 30% do atendimento.
Durante a entrevista, a Flávia perguntou a um líder do sindicato como ficava a situação dos trabalhadores que não quisessem aderir.
Ele respondeu que eram livres para escolher.
Ela insistiu e perguntou como eles iam fazer para trabalhar, se a avenida estava fechada.
A resposta rude foi de que era problema de quem não participasse.
Esse tipo de postura intransigente pode colocar a população, as autoridades e a imprensa contra a categoria.
Os rodoviários não aceitam o reajuste de 7,53% oferecido pelas empresas.
Eles apontam uma série de defasagens nas negociações e cobram aumento de 15%.
Aposto que a negociação vai parar no Ministério Público, os protestos vão dar o que falar e os passageiros vão continuar sendo prejudicados.
Espero sinceramente, pelo respeito que tenho por toda a categoria e pelos integrantes do Sindicato dos Rodoviários, que eles consigam resolver os problemas e conquistar o que é justo.
Espero ainda, que quando estiverem aposentados, precisando ir ao médico, não esbarrem em paralisações do transporte público.
Que quando um parente ou eles mesmos estiverem em situação de urgência ou emergência, com dor, sangrando, não esbarrem em operações tartarugas de médicos do SUS em plena campanha salarial.
Porque numa hora dessas, eles ainda vão se lembrar dos transtornos que provocaram a tantas pessoas.
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