Por Michele Pacheco
Os bombeiros encontraram hoje o último corpo que estava desaparecido desde o acidente da última segunda-feira.
Agora, estão confirmadas as mortes de 11 passageiros e do motorista.
O veículo da Viação Itapemirim deixou Iúna, no Espírito Santo, com destino a São Paulo.
Oito horas de viagem tinham se passado, quando o motorista perdeu o controle da direção e caiu num precipício de 80m de altura, na BR 116, em Além Paraíba, Zona da Mata Mineira.
O temporal dessa terça-feira atrapalhou as buscas. O rio Angu ficou três metros acima do nível normal e transbordou em vários pontos da zona rural, perto do local do acidente. Com isso, as estradas rurais que margeiam o rio foram inundadas e os bombeiros tiveram que gastar um tempo grande buscando acessos alternativos. Eles subiram por pastos, passaram por matas e se arriscaram na área de enchente.
Como era muito arriscado acompanhar todo o trajeto que eles iam fazer, nós registramos o que foi possível num local de acesso mais fácil. Ficamos surpresos com a força da correnteza. Era impossível adivinhar onde ficava o leito do rio Angu e onde era pasto. Por isso, nem tentamos nos arriscar.
Encontramos por lá ontem o Bruno Sakaue, da TV Panorama.
Ele está no caso desde o início.
Além dos vivos nos jornais locais e de rede, ele fechou bons vts para os principais jornais da Globo.
Ficamos muito felizes com a chance dada a ele.
O Bruno é um profissional muito competente e merece destaque.
Estamos acompanhando o caso desde a manhã dessa terça-feira.
Em momentos assim, eu me lembro que muitas pessoas acham o trabalho de repórter cheio de glamour.
Com certeza, se nos vissem nos dois últimos dias, mudariam de idéia.
Fomos avisados às seis e meia da manhã que teríamos que viajar para acompanhar o trabalho de resgate das vítimas.
Eu e o Robson somos chorões e temos que nos segurar em situações desse tipo.
Mas, amamos nosso trabalho e fazemos o possível para ele ficar bom.
Quando chegamos à BR 116, na terça, encontramos uma equipe da TV Panorama despachando pelo motorista a fita gravada no início da manhã.
O pessoal da Record também estava na área registrando tudo.
Aí, descobrimos um fato que incomoda todo repórter:
estávamos atrasados!
O acidente foi às 23h15 de segunda-feira, as emissoras de TV foram avisadas às duas da madrugada de terça-feira e nós só fomos acionados às 6h30, chegando ao local às 8h30.
Como não se pode ganhar todas, o jeito é esconder o sorriso amarelo e trabalhar rápido para se recuperar do prejuízo.
Acho um caso desses, um bom desafio para o profissional.
Ele sabe que todo mundo tem imagens e entrevistas melhores do que as dele, mas não pode voltar de mãos abanando.
Nossa estratégia foi registrar o que estava em andamento e tentar contar a história de uma forma mais simples, para que todos pudessem entender.
Parece pouco, mas muitos jornalistas pecam pelo excesso e tornam a mensagem difícil de ser captada.
Apostamos no que os outros ainda não tinham feito:
ir atrás dos bombeiros pelo mato adentro à procura dos corpos.
A idéia parecia tão simples!
Mas, acabamos molhados, enlameados e quase atolados no pasto de uma fazenda que fica nas margens do rio.
Registramos imagens da equipe com o bote e voltamos chapinhando no atoleiro até o carro.
Imagens do alto! Isso era mais seguro.
Já ouviram falar da Lei de Murphy? Se algo pode dar errado, dará. E ela estava em vigor ontem. Num raio de 20 km perto do local do acidente não pega celular. Ficamos sem comunicação com a TV para explicar que não voltaríamos a tempo do nosso jornal.
Depois de registrar o que foi possível no local do acidente, fomos à Casa de Caridade Leopoldinense. Aguardávamos a saída de vítimas que estavam tendo alta, quando ligaram de Juiz de Fora pedindo que voltássemos logo para enviar imagens para Belo Horizonte.
Voltamos tão rápido quanto foi possível. Estávamos sem café da manhã e sem almoço. Nossa esperança era de que desse tempo de fazer um lanche antes de cumprir um compromisso com a filha do Robson, agendado desde o mês passado. Mas, fomos mandados de volta para a estrada. Só tivemos tempo de passar em casa para pegar algumas peças de roupa e ligar para a Paula, avisando do cancelamento do compromisso. Vida de jornalista é assim mesmo!
Voltamos à estrada, molhados, cansados e com fome. Glamour? Que piada. Parecíamos mais retirantes das enchentes. Lama por todo lado e nenhuma previsão de conseguir descansar e tomar um banho. Trabalhamos direto até às 23h, contando apenas com um pacote de biscoitos que pegamos em casa e água cedida pelos bombeiros. Mas, sabíamos que o nosso sofrimento não era nada comparado aos daquelas pessoas que viram o fim de ano virar um pesadelo.
Vendo o que sobrou do ônibus, deu uma idéia melhor do desespero dos passageiros e do motorista.
O que sobrou do veículo foi rebocado para um pátio em Leopoldina, a 30 km do local do acidente.
A frente ficou destruída.
As janelas estavam quebradas.
Muitas foram arrancadas pelos sobreviventes para que eles pudessem sair.
Ando muito de ônibus e fico imagino o horror de estar preso num banco, com o veículo girando no ar e batendo. Objetos e pessoas caindo por toda parte, sem saber para onde ir ou onde se segurar. Depois, ainda tem a água fria entrando. Havia marcas de lama e vegetação em toda a carroceria. Muita gente acha que nós jornalistas somos frios e insensíveis diante dos fatos que cobrimos. Isso é mentira! A sensação de ver tudo aquilo tão de perto é ruim e fica conosco por alguns dias. Só que a gente tenta apagar do cérebro as imagens de sofrimento e guardar as cenas bonitas. Senão, não dá para seguir na profissão.
Essa foto mostra uma curiosidade que aconteceu nos bastidores da cobertura e que ninguém viu nos telejornais. Quase às duas da madrugada dessa quarta-feira, os bombeiros retornavam do local do acidente, depois que o ônibus foi retirado.
No caminho para Leopoldina, eles notaram um carro com defeito na BR 116. Claro que pararam para ajudar. O veículo não ligava de jeito nenhum. Solução: amarrar com uma corda e rebocar com a caminhonete dos bombeiros. O Sargento Arthur Peixoto foi o voluntário para seguir com o motorista no carro amarrado.
O que ninguém esperava era que, numa descida da rodovia, a corda fosse arrebentar.
Chovia muito e os bombeiros nem notaram a “perda” do colega. O sargento não sabia se ria ou chorava. Molhado, exausto e...perdido no meio da estrada. Em vez de gritar e chorar, ele foi com o motorista estrada à frente até encontrar um posto de combustíveis e conseguir ajuda. O mais interessante é que em vez de brigas e animosidade entre o grupo, o episódio virou motivo de riso para a equipe. Os dois pedaços da corda foram guardados como recordação. O sargento e o cabo Rangel, que dirigia a caminhonete, vão ter muitas histórias para contar. Parabéns pelo espírito esportivo!
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