Quem somos

Minha foto
JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, Brazil
Esperamos com este Blog dividir um pouco das inúmeras histórias que acumulamos na nossa profissão. São relatos engraçados, tristes, surpreendentes...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Protesto em Santa Rita de Jacutinga - MG

Por Michele Pacheco

Quando fiquei sabendo que teríamos que viajar para Santa Rita de Jacutinga para cobrir um protesto, a primeira coisa que veio à minha mente foi a dificuldade para chegar lá.
As lembraças que tinha eram de uma estrada de terra e pedras, cheia de curvas.
Fomos por Bom Jardim de Minas, caminho mais curto para quem sai de Juiz de Fora.
Assim que entramos na estrada, uma agradável surpresa: asfalto!

Não perdi tempo e lasquei o comentário otimista:
"Viu só, com essa estrada asfaltada a gente chega lá rapidinho. Está muito melhor do que a gente imaginava".
Segui sorridente por mais alguns quilômetros e...caí na real.
Eu tinha falado cedo demais!
O asfalto acabou e voltamos à boa e velha estrada de terra.
Claro que tive que ouvir do Robson a tradicional frase:
"porque você não deixa para falar no fim da viagem? Credo, parece que atrai!".
Eu ainda tentei me defender, lembrando que podia ser pior!

Eis que, de repente, a terra acabou e voltou o asfalto.
Acabou o asfalto e voltou a terra.
Esse vai e vem durou alguns quilômetros, até a lama vencer o asfalto.
Aí, foi um atoleiro só até Santa Rita de Jacutinga.
Tinha chovido e estava um mingau.
A estrada está sendo asfaltada e há muitas máquinas passando por lá.
Depois de pronto vai ficar bom, mas por enquanto...
Diante da cara feia do Robson ao volante, achei melhor evitar outros comentários e passei o tempo fotografando o lamaçal.

Meu marido parecia piloto de rally, concentrado em não sair da estrada nas curvas acentuadas.
O atoleiro puxava o carro para um lado, ele agarrava o volante, que parecia ter vontade própria, e tentava retomar o caminho certo.
E foi nessa batalha desleal até a entrada da cidade.
Respiramos aliviados e fomos para as entrevistas.

Os moradores chamaram a TV Alterosa para protestar contra o fechamento da unidade da Vale do Rio Doce.
Por 20 anos, a siderúrgica foi a maior fonte de renda do município de 5813 habitantes.
No mês passado, foi anunciado o fechamento.
Segundo o sindicato dos metalúrgicos de Santa Rita, 66 empregos diretos foram extintos, colocando em risco a economia da cidade.

O presidente da Câmara Municipal, Luiz Fernando do Vale, foi um dos organizadores do protesto.
Ele contou que a Vale recebeu muitos benefícios na época da instalação.
Em troca, deveria gerar empregos e renda.
Isso funcionou bem até agosto deste ano.
O fechamento da unidade pode significar a falência do município, que tinha a economia baseada numa única grande empresa, como ocorre com a maioria das cidades pequenas.

A revolta maior dos moradores é com a recusa da Vale em vender a unidade para outras empresas que estariam interessadas.
Segundo os funcionários, a informação passada é de que a Vale não teria interesse em vender, pois estaria colaborando com a concorrência.
A única parte que foi posta à venda foi a usina, doada pelo município.
Mas, ela não gera os empregos tão esperados.
A assessoria da empresa explicou que todos os direitos trabalhistas foram respeitados e que a
Vale demonstrou interesse em vender a usina.

Os manifestantes se reuniram na praça da estação ferroviária.
Foram feitos discursos de vários sindicalistas de Santa Rita de Jacutinga, Juiz de Fora e outras cidades da Zona da Mata e do Sul de Minas.
Foram eles que organizaram o movimento.
As pessoas mais velhas lembravam que esta é a pior crise que o município já enfrentou desde a fundação, em 1945.
Mas, durante as décadas, problemas parecidos foram registrados toda vez que uma empresa maior se instalava no local e depois fechava as portas.

Encontramos no protesto um casal com os filhos.
Mauro está entre os desempregados e contou que a situação é difícil.
Ele não tem onde procurar emprego na cidade e pode ter que se mudar.
Para ajudar o marido, a Rita está economizando ao máximo em casa.
Ela lamenta a demissão dele e conta que o nível de vida da família caiu muito.
"Meus filhos pedem as coisas e não temos como dar. Não sabemos como vamos ficar quando acabar o seguro desemprego" explicou a dona de casa.

Depois dos discursos na praça, os manifestantes seguiram com faixas e apitos pelas ruas do centro.
O comércio fechou as portas em apoio ao movimento.
O setor é o mais prejudicado.
Antes do fechamento da siderúrgica, R$ 150 mil circulavam pelo município todo mês.
O valor já caiu para R$ 80 mil e pode chegar a R$ 30 mil.

A passeata fechou o centro de Santa Rita e só parou na Câmara Municipal.
A idéia era aproveitar a Audiência Pública marcada sobre o assunto para cobrar das autoridades uma apuração rigorosa dos motivos que levam a Vale a não vender a unidade.
O presidente da Câmara decidiu pedir uma CPI para investigar a história do fechamento e cobrar da empresa um retorno pelos benefícios que ela recebeu na instalação.

Acabamos a matéria e nos preparamos para voltar a Juiz de Fora.
Eu não aprendo mesmo!
Vi os ônibus e vans da comitiva de sindicalistas da região, olhei para o Robson e mandei ver:
"Xiii! Se a estrada já estava ruim, imagine depois desse monte de veículo pesado ter passado por ela!"
Ah, se olhar matasse, ele teria cometido um "esposacídio".

Não é que eu estava certa?
A lama que antes estava lisinha e escorregadia, ficou cheia de ondinhas com o peso do ônibus.
Até seria bonito de ver, se a nossa Parati não fosse tão baixa e passasse raspando nos atoleiros.
A cada curva eu me perguntava (mentalmente, claro!) se seria ali que o Robson me colocaria para empurrar o carro.
E respirava aliviada a cada trecho superado.

Voltou a chover.
Além de se preocupar com a lama, os atoleiros, a chuva e a escuridão chegando, o Robson ainda foi premiado com uma névoa densa que baixou rápido das montanhas.
Eu até ia fazer um comentário, mas notei que o rosto do meu maridinho apresentava uma coloração entre vermelho vivo e roxo e achei melhor não arriscar.
Enfim, chegamos em Bom Jardim de Minas e retomamos o tão esperado asfalto.
Nem preciso dizer que a Parati estava tão coberta de lama que nem dava para ver a cor dela.

Nenhum comentário: