Por Michele Pacheco
Na estrada, as mangueiras carregadas de frutos indicam que Ubá está próxima.
A cidade tem tradição de cultivar mangas.
Ela começou com os imigrantes italianos, que trouxeram mudas da Europa para plantar nos quintais das casas.
Cada família tinha que preservar a planta.
Ainda hoje, é possível passear pelas ruas sentindo o cheiro das mangas.
Para preservar a fruta considerada patrimônio Natural do município, foi criado por lei, em 1998, o Dia da Manga Ubá.
A fim de marcar a data, há três anos é realizada a Festa da Manga.
Na Praça São Januário, no centro da cidade, os organizadores colocam barracas com artesanato e produtos feitos com manga.
É uma tentação! Neste ano, foram distribuídas mudas de mangueiras, a fruta in natura, sorvete, picolé e suco de manga.
Moradores e visitantes puderam comprar doces feitos com a fruta.
Entre as diversas opções, estavam manga em calda, empada, rocambole, bem-casado, trufa e tortinha. O pessoal da barraca do Imlor, Instituto Maria de Loreto Camiloto Rocha, lembrava aos visitantes que a manga pode ser usada em todo tipo de receita. “Ela tem um gosto muito semelhante ao do damasco e é pouco aproveitada. A manga pode muito bem ser usada na culinária. Tentamos divulgar ao máximo as qualidades dessa fruta” explicou a Elazir, presidente do Imlor.
Foram distribuídas também papéis com receitas à base de manga.
Apesar da diversidade, a opção que sempre faz mais sucesso é a mangada. O doce em barra tem cor de caramelo claro e consistência mais cremosa que a da goiabada.
Ele foi inventado pela dona Risoleta, uma moradora de Ubá, na década de 30.
A família preservou a receita.
Hoje, a mangada é produzida por várias famílias.
Tudo de forma artesanal.
Não há registros do número exato de doces produzidos, nem de produtores.
Fomos a uma fazenda acompanhar o processo.
De cara, ficamos com água na boca.
As árvores estão carregadas.
Como se não bastasse aquele cheirinho delicioso de manga, havia montes da fruta pelos cantos.
A escolha correta dos frutos que vão virar doce é essencial para o resultado perfeito.
O pessoal é rápido para separar aqueles que não estão nem verdes, nem passados.
Imaginei o trabalho que daria para descascar.
Mas, descobri que os anos de prática levaram à perfeição e a estratégias úteis.
A fruta é colocada em água fervente por alguns minutos.
Depois, vai para um tanque e recebe choque térmico, o que facilita a retirada da casca.
O trabalho é contínuo.
Enquanto uma porção está fervendo, a outra é descascada.
E isso se repete durante todo o dia, chova ou faça sol.
Descascadas, as frutas são colocadas nesta máquina curiosa.
Ela é usada para espremer as mangas.
O caldo grosso cai num tambor, enquanto os caroços são retirados por outra abertura.
Eles não são descartados.
Tudo se aproveita na fabricação dos doces.
Os caroços vão para a horta, virar adubo orgânico.
O caldo tem destino bem diferente.
O Darlô Gomes fabrica mangadas há 25 anos.
Ele conta que aprendeu com os pais, que herdaram a receita dos pais deles.
A produção está na terceira geração e deve ser passada adiante.
Ele conta que a fabricação de doces é uma ótima opção para o homem do campo.
“O trabalho é menor do que a criação de gado e a lavoura.
Além disso, o retorno é bom e ajuda no orçamento.
Hoje, eu tenho que comprar mangas, pois a quantidade que é produzida aqui na fazenda não é suficiente” explica o produtor rural.
Ele nos mostrou o restante do processo de produção.
Aquele caldo grosso que foi colhido num tambor é colocado no tacho de cobre.
Uma pá de madeira acoplada num motor fica girando sem parar, mexendo o doce e impedindo que ele queime.
Mesmo assim, o Darlô não tira os olhos do tacho e avalia, a todo momento, se o ponto já está bom.
Imagine, num dia quente de verão, o sofrimento de quem tem que ficar na beira da fornalha vigiando o doce!
Mas, tradição é tradição!
É uma questão de honra produzir os doces artesanalmente e com qualidade.
O Darlô aproveita a safra para fazer a mangada e guardar a polpa para fabricar o doce fora de época e manter o mercado local abastecido.
O processo é interromper a fervura antes de dar o ponto.
O caldo ainda mais grosso é retirado do tacho e guardado em tambores.
Quando os pés já estiverem sem frutos, o produtor só precisa ir ao estoque e transformar a polpa em mangada.
Depois de três horas e no ponto desejado, o doce é despejado em formas rústicas de madeira e colocado para secar.
Depois que endurece, a mangada é cortada e embalada.
Foi muito legal ver a agilidade do pessoal para embalar.
Eles têm um jeito de usar o plástico para não tocar na barra e embrulhar de forma higiênica. Depois, é só mandar para o mercado.
O Robson registrou todos os detalhes.
Um lugar daqueles é um prato feito para ele.
O fogo, o tacho antigo de cobre, o doce dourado se tornando caramelado, o pessoal trabalhando da mesma forma como era feito há quase 80 anos...
Tudo isso serve de inspiração para belas imagens.
Difícil foi ele agüentar ficar muito tempo perto do fogo.
A Rosângela de Freitas, extensionista de bem-estar social da Emater, nos acompanhou.
Ela registrou a visita e explicou a diferença da manga Ubá para os outros tipos.
“A manga Ubá é mais doce e dispensa o uso de açúcar na maioria das receitas. Quando é preciso adoçar, o produtor usa pouco açúcar, o que deixa o doce mais saudável” explicou.
Além disso, a manga Ubá é pequena, suculenta e saborosa.
O difícil de acreditar é que uma delícia como a mangada ainda não tenha sido descoberta por outras regiões do Brasil.
Nem no Rio de Janeiro, tão perto, os comerciantes têm o hábito de encomendar a mangada.
Conversei com a Rosângela e perguntei por que eles não tentavam vender o doce para restaurantes e hotéis de Minas e do Rio.
Eles podem servir a mangada como sobremesa ou no café da manhã.
Tenho certeza de que os turistas vão adorar.
Falta divulgação dessa delícia.
Mesmo em Ubá, a mangada é vendida sem estardalhaço.
Para experimentar, eu e o Robson tivemos que pedir socorro à Maria do Carmo, da Adubar (Agência de Desenvolvimento de Ubá e Região).
Ela nos levou a um açougue, onde o doce é vendido.
Puxa, cadê os empresários da cidade e os próprios produtores que não se unem para popularizar a guloseima?
É parte da história do município e merece ser divulgada.
Confesso que me tornei fã de mangada!
Ela fica deliciosa com um queijo branco, como geléia em biscoitos e pães e até misturada com requeijão.
Estou com algumas em casa e testando formas diferentes de consumo.
Meu tio Paulo César, que já morreu e não teve o prazer de provar esse doce, diria que ele é um “Manjar dos Deuses”! Ai, deu água na boca! Vou buscar mais um pedacinho!
Telefone de contato do Darlô - (32) 9917-5557
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